São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Países-continentes

BORIS TABACOF

Buscar a identificação de potenciais alinhamentos estratégicos, em nível global, que permitam a formação de grupos ou blocos de nações cujos interesses geopolíticos possam convergir é um exercício que encontra grandes obstáculos na vida real. Salvo no caso da União Européia, que se formou após um longo processo histórico de guerras e destruição, levando as nações do velho continente a se unirem, outros alinhamentos, como o Nafta, dos países da América do Norte, não resultam em maior sucesso.
Merece mais aprofundamento o conceito de que no amplo universo dos chamados países emergentes possa ser encontrado um nexo que leve muitos deles a se unirem numa estratégia, chamada de "Sul-Sul", que possa enfrentar as potências do "Norte".
Os países-continentes que se destacam no cenário dos emergentes que poderiam ser parte desse alinhamento, além do Brasil, são a Rússia, a China e a Índia. A política brasileira de concentrar esforços para aprofundar as relações comerciais e, às vezes, de investimentos com essas nações é correta e já mostra alguns resultados positivos. É claro que se deve evitar que iguais esforços não sejam estendidos também a outros países, por considerações ideológicas ou preconcebidas, principalmente aos do Primeiro Mundo, com seus grandes mercados e capitais.
Os alinhamentos comerciais e a atração de investimentos, neste início de século confuso e imprevisível, devem ser pragmáticos e até oportunistas, dependendo de temas comuns como o combate aos subsídios à agricultura. Mas estão longe de favorecer aproximações estratégicas.


A política externa brasileira deve se caracterizar pelo realismo e pela flexibilidade


A China, que merece a prioridade que o Brasil está lhe dedicando, tem a clara intenção de se alinhar no primeiro time global. O caminho de se tornar cada vez mais uma economia capitalista não tem volta.
A ligação política e econômica predominante nos interesses da China é com os Estados Unidos. Apesar das divergências em relação à balança comercial dos dois países e da questão do nível da taxa cambial, as enormes reservas chinesas ajudam os americanos a financiar o seu duplo déficit, o orçamentário e o da balança de pagamentos. Sem falar nos grandes investimentos dos Estados Unidos na economia chinesa. Ainda assim, a China pode ser uma oportunidade comercial para o Brasil, sem depender necessariamente de convergências estratégicas, mas sim de políticas que dêem a necessária competitividade às nossas empresas.
Outro gigante, a Rússia, apresenta um quadro difícil de captar na sua complexidade. Nos 13 anos que se seguiram à queda do regime comunista e à implosão da União Soviética, a economia russa passou por sucessivas peripécias, tentando implantar um sistema capitalista, sem experiência e sem história. Mas o grande potencial da Rússia, com imensos recursos naturais e um povo com um razoável nível educacional, especialmente nas áreas técnicas, já começa a decolar num processo mais estável de crescimento.
A agenda de Putin para a Rússia é clara: o país deseja ser uma potência global e um tigre econômico, mas também quer ser um Estado monolítico e controlável. Nesse quadro, o espaço para o acesso ao mercado russo pelo Brasil é reduzido e, mais uma vez, depende de duras barganhas e da capacidade competitiva dos nossos exportadores.
Finalmente, a Índia, que dá largos passos de crescimento após períodos de estagnação produzidos por políticas estatizantes e burocráticas, consegue conciliar suas tradições milenares com o mais atual domínio tecnológico que um sistema educacional competente é capaz de gerar. Os cinco anos de poder do partido nacionalista hindu deram lugar às privatizações, à abertura do país para investimentos estrangeiros e à desregulamentação, liberando uma tremenda energia, expressa nas altas taxas de crescimento. Isso não obstante um déficit fiscal de 10% do PIB. O novo governo indiano reiterou o seu objetivo de fazer deste século o "século indiano".
O Brasil pode encontrar oportunidades de sinergias táticas com a Índia, especialmente nas questões de acesso de produtos agrícolas, mas não muito mais do que isso.
Em suma, neste mundo complicado, onde não mais existem alinhamentos automáticos, a política externa brasileira deve se caracterizar pelo realismo e pela flexibilidade, com ênfase na disputa dos espaços comerciais, como já está fazendo.
Uma nota final: dos quatro países-continentes, três têm algo em comum: taxas altas de crescimento e boas reservas externas. A China ainda cresce a uma taxa anual de 9,8%, com reservas externas de US$ 440 bilhões, juros de curto prazo de 4% ao ano e inflação de 3%. A Índia aumenta o seu PIB no ritmo de 10,4%, tem reservas de US$ 113 bilhões, juros de 4,4% e inflação de 3,5%. E a Rússia cresce 8%, com reservas de US$ 80 bilhões, juros de 14% e índice de preços de 10,3%.
Nenhum desses três países adota políticas econômicas consistentes com uma visão exclusivamente de mercado nem fixa metas de inflação. A grande estratégia nacional de cada um deles é o potente crescimento da sua economia, com a redução da vulnerabilidade externa.

Boris Tabacof, 75, é presidente do Conselho Superior de Economia da Fiesp/Ciesp e vice-presidente do Conselho de Administração da Cia. Suzano de Papel e Celulose.


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