São Paulo, quinta-feira, 02 de janeiro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O Senado e as oligarquias MARCO ANTONIO VILLA
Nos programas de auditório já
virou rotina apresentar testes de
DNA para descobrir quem é o pai de
uma criança. O público participa, ri,
xinga; os casais brigam e o apresentador
conduz o programa até o clímax, quando abre o envelope e diz se o cidadão é
ou não o pai. No Congresso Nacional,
não é preciso toda essa mise-en-scène,
pois são visíveis as relações de parentesco entre senadores e deputados federais; e destes com governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores.
Se realizarmos um apurado levantamento, da esfera municipal à federal,
encontraremos um grupo seleto de famílias que controlam o mundo político
brasileiro.
Imaginava-se que o fim da ditadura permitiria a formação de uma nova elite política. Ledo engano. Filhos, sobrinhos, netos e esposas de políticos tradicionais foram eleitos em 1986. Dizia-se que tinham vocação para a política, uma espécie de "virtu" genética. E foi no Nordeste que o domínio oligárquico se manifestou de forma mais límpida, com os Alves, Maias, Francos e Magalhães, entre outros. Era como se William Faulkner estivesse pensando o Nordeste quando escreveu que "o passado nunca morre; ele nem sequer passa". A permanência da oligarquia deve ser creditada às décadas de controle político nos Estados, o que possibilitou a consolidação de uma máquina eleitoral municipal; ao controle dos meios de comunicação de massa; às relações com o poder econômico regional; e, principalmente, ao papel de intermediário para obtenção de verbas e apoio político do governo federal. As eleições se sucederam e, em vez de diminuir o poder oligárquico, ele se fortaleceu. E é no Senado que fica mais transparente a sua presença, agravada pela excessiva representação de três senadores por cada Estado. É rotineiro que, no final de mandato, um governador reserve a "sua" vaga no Senado: os oito longos anos de mandato servem como um refrigério para novas aventuras políticas. Caso fracasse, permanece no Senado. Assim, nossa mais alta Casa legislativa é uma espécie de sala de espera para uns e de aposentadoria dourada para outros. A longa duração do mandato cria um descompasso com os novos cenários políticos gerados a cada quatro anos. Para piorar, há a figura do suplente, desconhecido do eleitor, mas escolhido a dedo pelo candidato. Um Senado que se preze não pode conviver com esse avassalador domínio das famílias. Por outro lado, não é possível, como sempre, imputar à tradição ibérica a causa dessa anomalia política; inclusive porque em Portugal não há Senado, o Parlamento é unicameral e hoje não é possível falar em oligarquia. Romper o domínio dos senhores do baraço e cutelo é o caminho para a efetiva consolidação da democracia. Esta tarefa começa no centro, em Brasília, com um governo que não se concilie com os mandões locais, fechando os condutos federais que alimentam e preservam o coronelismo. Marco Antonio Villa, 47, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Oswaldo Giacoia Júnior: Tempo de reflexão Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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