São Paulo, terça-feira, 02 de janeiro de 2007

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A coca da Bolívia

HÁ DUAS semanas, o presidente da Bolívia, Evo Morales, baixou decreto que amplia de 12 mil para 20 mil hectares a área de cultivo legal da coca, planta que dá origem à cocaína. O Brasil, um dos países que mais deverá sofrer os impactos da medida, fingiu que a decisão não lhe dizia respeito e nada fez.
Coube aos EUA o papel de espernear contra Morales. Washington não esperou dois dias antes de anunciar uma redução de 25% no valor da ajuda antidrogas que presta à Bolívia.
A questão é que a cocaína boliviana é muito mais um problema brasileiro -e europeu- do que norte-americano. O mercado dos EUA é abastecido principalmente pela Colômbia. Estima-se que menos de 1% da cocaína boliviana vá para os EUA. Já o Brasil recebe entre 80% e 90% da produção do país andino. Uma parte é consumida por aqui mesmo e o restante segue para a Europa.
Não se trata de demonizar a coca nem de confundi-la com a cocaína refinada. O consumo da planta por mastigação ou na forma de mates é tradicional nos Andes. Mais do que isso, estão se desenvolvendo novas e interessantes destinações para o vegetal, como a fabricação de xampus, temperos e até o uso médico no tratamento da dependência.
De resto, não cabe unicamente aos países produtores a responsabilidade de controlar a oferta. O próprio Brasil poderia fazer muito mais. Bolívia, Colômbia e Peru não fabricam a maioria dos precursores químicos necessários para o refino da droga (acetona, éter, ácido sulfúrico entre outros). Eles acabam sendo contrabandeados do Brasil, cujo controle sobre esses produtos ainda deixa muito a desejar.
O problema do decreto de Morales é que ele induz a uma ampliação desordenada da área de cultivo legal da coca que deverá resultar no aumento da oferta de cocaína. O resultado esperado é a redução dos preços da droga, o que implica incremento não só do consumo mas também do número de usuários. Mais brasileiros se tornarão dependentes, com os conhecidos impactos sobre o sistema de saúde.
Isso já deveria bastar para convencer o governo Lula a pressionar Morales para rever o decreto. Como principal parceiro comercial da Bolívia e parte diretamente afetada pela medida, o Brasil deveria acionar a sua diplomacia no intuito de buscar uma solução alternativa.


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