|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A coca da Bolívia
HÁ DUAS semanas, o presidente da Bolívia, Evo Morales, baixou decreto que
amplia de 12 mil para 20 mil hectares a área de cultivo legal da coca, planta que dá origem à cocaína. O Brasil, um dos países que
mais deverá sofrer os impactos
da medida, fingiu que a decisão
não lhe dizia respeito e nada fez.
Coube aos EUA o papel de espernear contra Morales. Washington não esperou dois dias
antes de anunciar uma redução
de 25% no valor da ajuda antidrogas que presta à Bolívia.
A questão é que a cocaína boliviana é muito mais um problema
brasileiro -e europeu- do que
norte-americano. O mercado
dos EUA é abastecido principalmente pela Colômbia. Estima-se
que menos de 1% da cocaína boliviana vá para os EUA. Já o Brasil
recebe entre 80% e 90% da produção do país andino. Uma parte
é consumida por aqui mesmo e o
restante segue para a Europa.
Não se trata de demonizar a
coca nem de confundi-la com a
cocaína refinada. O consumo da
planta por mastigação ou na forma de mates é tradicional nos
Andes. Mais do que isso, estão se
desenvolvendo novas e interessantes destinações para o vegetal, como a fabricação de xampus, temperos e até o uso médico
no tratamento da dependência.
De resto, não cabe unicamente
aos países produtores a responsabilidade de controlar a oferta.
O próprio Brasil poderia fazer
muito mais. Bolívia, Colômbia e
Peru não fabricam a maioria dos
precursores químicos necessários para o refino da droga (acetona, éter, ácido sulfúrico entre
outros). Eles acabam sendo contrabandeados do Brasil, cujo
controle sobre esses produtos
ainda deixa muito a desejar.
O problema do decreto de Morales é que ele induz a uma ampliação desordenada da área de
cultivo legal da coca que deverá
resultar no aumento da oferta de
cocaína. O resultado esperado é a
redução dos preços da droga, o
que implica incremento não só
do consumo mas também do número de usuários. Mais brasileiros se tornarão dependentes,
com os conhecidos impactos sobre o sistema de saúde.
Isso já deveria bastar para convencer o governo Lula a pressionar Morales para rever o decreto. Como principal parceiro comercial da Bolívia e parte diretamente afetada pela medida, o
Brasil deveria acionar a sua diplomacia no intuito de buscar
uma solução alternativa.
Texto Anterior: Editoriais: Mais um ano morno Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Popularidade virtual Índice
|