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São Paulo, domingo, 02 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma nova política para os HUs

GIOVANNI GUIDO CERRI

O novo governo federal deveria discutir, em profundidade, a questão dos hospitais universitários (HUs) ligados às universidades públicas. Estes hospitais são os grandes formadores de recursos humanos para a área de saúde, incluindo médicos especialistas e pessoal paramédico. Sem a formação desses recursos humanos, toda a assistência entraria em colapso.
Os HUs também são responsáveis pela maior parte dos atendimentos de alta complexidade do SUS (Sistema Único de Saúde), como cirurgias cardíacas, transplantes, tratamento oncológico etc., sendo em muitos casos a única alternativa da população carente para esse tipo de atendimento. A pesquisa médica em grande parte desenvolve-se nesses hospitais, como ocorre nos laboratórios de investigação médica do Hospital das Clínicas, importante núcleo da pesquisa médica no país.
O patrimônio que esses hospitais representam é fundamental para o desenvolvimento da medicina brasileira não só na assistência, mas também no ensino e na pesquisa. E precisa ser preservado pelas gestões da saúde pública.
Grande parte dos hospitais universitários passa por crise financeira sem precedentes, tendo sido obrigada a reduzir o atendimento ou a fechar setores.
A existência de tetos que limitam o pagamento do SUS independentemente do número de procedimentos realizados é o mecanismo mais perverso criado na área de saúde. Os HUs, já carentes de recursos, ou não recebem pelos procedimentos que realizam ou, pior, são obrigados a recusar o atendimento pelo SUS aos pacientes que necessitam de uma assistência médica de qualidade.
O próprio HC poderia ampliar o atendimento se novos recursos fossem injetados no sistema, em infra-estrutura.
Há necessidade urgente, para preservar os interesses da população e do Estado, da criação de uma política de saúde para os hospitais universitários públicos que leve a uma forma de financiamento diferente da atual. Para a assistência médica prestada pelos HUs públicos, o Ministério da Saúde deveria criar um mecanismo de pagamento desvinculado do sistema de teto. Assim, seria garantido um financiamento em um nível que possibilitasse a criação de uma rede de hospitais universitários que poderiam suprir as necessidades de alta complexidade do SUS.


O patrimônio que esses hospitais representam é fundamental para o desenvolvimento da medicina brasileira


Como o papel dos HUs engloba também a formação de recursos humanos e pesquisa, essa nova política de financiamento deveria envolver outros ministérios, como os da Educação e da Ciência e Tecnologia. Considerando a importância estratégica e o interesse nacional dos HUs, o novo financiamento deveria ser estabelecido em uma relação direta entre os ministérios e os hospitais.
Para ampliar a rede de atendimento assistencial, formação de recursos humanos e pesquisa médica, também se deveria exigir que as escolas médicas privadas tivessem seus próprios HUs. Estes cumpririam papel semelhante ao dos públicos, evitando que o ônus maior da formação de recursos humanos e assistência recaíssem, na sua grande parte, sobre os hospitais públicos.
Os números do Hospital das Clínicas, que registra um atendimento anual ambulatorial a 1,5 milhão de pacientes, 550 mil emergências, 60 mil internações, 4.500 cirurgias, 550 transplantes, 2.500 partos de alto risco e um total de 10 milhões de pessoas circulando pelo complexo, indicam que uma rede de hospitais universitários públicos, com financiamento adequado, poderá resolver grande parte dos problemas do SUS.
O fim do perverso mecanismo do teto para hospitais universitários públicos e a criação de uma fonte exclusiva de financiamento para os mesmos seriam, portanto, um passo importante para humanizar e resolver o atendimento médico à nossa população, preservando o patrimônio de educação e ciência médica que essas instituições acumulam.
É necessário agir com urgência, porque a evasão dos recursos humanos qualificados torna-se cada vez mais acentuada, perdendo-se os investimentos na sua formação, que exigirão muitos anos para ser recuperados.

Giovanni Guido Cerri, 49, é diretor da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas.


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