São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mais verdades sobre os bingos

LUIZ FERNANDO DELAZARI

Há dois anos, eu e vários colegas do Ministério Público de todo o país demos início a uma difícil luta contra a jogatina no Brasil. Como integrante da PIC (Promotoria de Investigações Criminais do Estado do Paraná), sempre tive o combate aos jogos de azar como uma das prioridades da minha atuação, especialmente em relação aos bingos. Os leitores que freqüentam esta página já tiveram a oportunidade de ler um artigo meu, intitulado "A verdade sobre os bingos" (27/8/03). Na oportunidade, citei que o Estado do Paraná era (e continua sendo) o único da Federação a fechar as portas de todas as casas de bingo. Também expus as entranhas dos bingos e suas vertentes criminosas.
Nossa luta não se restringe à periferia dos bingos ou dos caça-níqueis. Pretendemos desmascarar o crime organizado. Temos várias provas de que por trás das máquinas e das bolas coloridas há diversos meios para legalizar o dinheiro do tráfico, do roubo, da dilapidação do erário. Seja por meio de contas CC-5 ou de empresas fantasmas, os objetivos dos "jogos lícitos" atingem expectativas muito além da aparente venda de cartelas e de créditos nas máquinas.


A máfia italiana precisava diversificar seus negócios e viu no bingo e nos caça-níqueis a oportunidade de faturar alto


A jogatina, como a maioria dos leitores sabe, nasceu sob os domínios da máfia. Todos conhecem a história de Las Vegas e do Cassino Flamingo, o primeiro a ser criado no deserto, nos EUA, e que rapidamente se transformou no maior negócio da máfia americana. No Brasil ocorreu o mesmo fenômeno. Aqui, a máfia italiana precisava diversificar seus negócios e viu no bingo e nos caça-níqueis a grande oportunidade de faturar alto. E foi o que fez.
Contra a vontade do jogador e ex-ministro Zico, o então deputado Onaireves Nilo Rolim de Moura (à época, com prestígio do presidente Collor) inseriu os bingos como meio de captação de recursos para o esporte naquela que, inicialmente, era uma legislação séria. Alguns grandes clubes de futebol investiram pesado no negócio, mas se endividaram em poucos meses e abandonaram a iniciativa. Pelé, quando era ministro, na tentativa de modernizar o nosso esporte, investiu contra a legalidade do bingo. Foi vencido pelos interesses financeiros e, principalmente, pela "bancada da bola", capitaneada pelo deputado Eurico Miranda -que dispensa comentários. Começaram, então, os escândalos pelo país. Sonegação fiscal, homicídios, lavagem de dinheiro etc. O único caminho era a proibição do jogo, sob pena de o Brasil perder o controle total da situação.
O então senador Roberto Requião propôs um projeto de lei (o único) para considerar explicitamente o bingo ilegal. E assim foi: a questão ganhou corpo e se transformou na lei nš 9.981/02, de autoria do então senador Maguito Vilela, que adotou a idéia. Alguns Estados inovaram juridicamente e regulamentaram a atividade por legislações estaduais totalmente inconstitucionais. Exemplos: Mato Grosso do SUL, Estado no qual o governador Zeca do PT editou decreto regulamentador; e o Paraná, onde essa atividade foi regulamentada por resolução de um ex-secretário de Governo (administração Jaime Lerner). Há cerca de um ano foi revelado que o então secretário regulamentou a atividade simplesmente porque era proprietário de duas das maiores casas de bingo em Curitiba. Hoje o advogado responde por processo criminal e civil.
Uma das primeiras ações do governador Roberto Requião, em janeiro de 2003, foi a revogação da resolução que regulamentava os bingos e o total apoio ao Ministério Público no fechamento dos 42 estabelecimentos no Estado. Mesmo assim, surpreendentemente, o governo federal criou, em outubro do ano passado, um grupo interministerial de trabalho para estudar essa questão, batizado como GTI-Bingos. Esse grupo ouviu diversas entidades e fez várias audiências. Agora, com o caso Waldomiro Diniz, acreditamos que a questão ganhará outro nível de prioridade.
No ano passado, reuni um grupo de procuradores da República e de promotores de Justiça para levar nossas considerações ao tal GTI-Bingos. Os integrantes da Comissão Nacional de Combate ao Jogo do Bingo não pertencem a partido político e colecionam histórias de sucesso na luta contra a pior espécie de criminosos. Conhecemos profundamente as conexões entre a jogatina e a lavanderia de dinheiro em nosso país; afinal, revelamos o envolvimento de gente como o "Comendador Arcanjo" (MT), José Carlos Gratz (ES), Carlinhos Cachoeira (RJ) e Ivo Noal (SP).
Nós, que lutamos contra o crime organizado, acreditamos que o escândalo Waldomiro servirá como exemplo para que o governo sepulte de vez a discussão sobre a legalização dos bingos e caça-níqueis. O próprio presidente Lula sempre se manifestou contra os jogos. Portanto faça-se a vontade presidencial.

Luiz Fernando Delazari, 33, coordenador da Comissão Nacional de Combate ao Jogo de Bingo, é secretário da Segurança Pública do Paraná.


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