São Paulo, quarta-feira, 02 de março de 2005

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OS EUA E OS DIREITOS

O Departamento de Estado norte-americano divulgou na segunda-feira seu relatório anual sobre direitos humanos. Desta vez, infelizmente, a iniciativa deixou dúvidas quanto à sua isenção e autoridade para tratar do tema.
Para citar dois exemplos gritantes, o texto em nenhum momento se refere ao prosseguimento da detenção, sem processo formalizado, na base norte-americana de Guantánamo, em Cuba, de pessoas acusadas de praticar terrorismo. Também passaram em brancas nuvens as atrocidades praticadas por soldados norte-americanos contra prisioneiros iraquianos no presídio de Abu Ghraib. Aquela prisão é citada marginalmente, sem que o relatório toque na questão da tortura.
É de lamentar, portanto, que um levantamento tradicionalmente respeitado por sua seriedade e pela pluralidade de suas fontes venha a se transformar numa ferramenta para avalizar ou desviar a atenção dos desmandos cometidos pelos EUA.
De resto, o relatório cumpre seu papel, independentemente dos eixos de simpatias e inimizades do próprio Departamento de Estado. Cuba, mesmo na condição de adversário preferencial no Hemisfério, merece relatos pormenorizados de coerções a dissidentes, mas com a paralela constatação de que não ocorreram execuções extrajudiciais ou desaparecimentos de ativistas anticastristas. Aliados de Washington -como Arábia Saudita, Egito e Jordânia- recebem críticas formuladas em termos tão ásperos quanto os reservados aos países do "eixo do mal".
Há ainda o longo capítulo reservado ao Brasil, no qual as informações são bem fundamentadas. Não há como negar, por exemplo, a morosidade do Judiciário ou a ineficiência da polícia em áreas de conflito de terra. Tampouco se pode contrastar as denúncias de assassinatos impunes de moradores de rua e de desrespeito à integridade física de cidadãos interrogados em distritos policiais.
No entanto esse painel pouco gratificante de episódios isolados ou tendências nos quatro cantos do planeta teria maior credibilidade caso os EUA olhassem para seus próprios problemas. Nesse caso, o relatório deveria referir-se não apenas a Abu Ghraib e Guantánamo mas também à aplicação maciça da pena de morte no país e aos efeitos sobre os direitos civis de leis de exceção criadas para combater o terrorismo.


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