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São Paulo, quarta-feira, 02 de abril de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Há mortos e mortos

SÃO PAULO - O jornalista Peter Arnett, que foi catapultado à fama internacional pela cobertura da primeira Guerra do Golfo, não é exatamente um "falcão" fundamentalista, desses que tomaram o poder em Washington.
Por isso mesmo, uma de suas frases na entrevista a Sérgio Dávila, publicada ontem por esta Folha, é ainda mais reveladora do esquema mental que está por trás da invasão do Iraque e do morticínio consequente.
Diz o jornalista sobre os mortos civis até agora: "A realidade é que esta é uma cidade de 5 milhões de habitantes. Até agora, talvez cem pessoas tenham morrido. (...) Não parece tanto assim, parece?".
Pois é. Agora, transponha o raciocínio para outra cidade, outro momento, outras mortes. Tomemos Nova York e os 3.000 mortos nos atentados de 11 de setembro. Como Nova York tem 8 milhões de habitantes, se se seguir à risca o obsceno raciocínio de Arnett, seria possível dizer que os mortos "não parecem tantos assim, parecem?".
Parecem sim, meu Deus. Se, em Nova York como no Iraque, um só civil inocente tivesse sido morto, em vez de centenas ou milhares, ainda assim seria inaceitável se o mundo não tivesse se brutalizado.
No caso do Iraque, não são apenas os mortos. Milhares, talvez milhões, de pessoas estão sendo obrigadas a deixar suas casas ou estão vivendo precariamente sem luz e sem água, como até a TV norte-americana não pára de mostrar.
O diabo é que os mortos e os dramas dos "estrangeiros" não contam nas capitais imperiais. Oficiais britânicos, por exemplo, não estão indignados com os civis iraquianos mortos, mas com suas próprias vítimas, atingidas pelo chamado "fogo amigo" dos "caubóis" americanos.
Os mortos britânicos são branquinhos. Os outros mortos são o "resto". É a sórdida realidade.


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