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CLÓVIS ROSSI
Há mortos e mortos
SÃO PAULO - O jornalista Peter Arnett, que foi catapultado à fama internacional pela cobertura da primeira Guerra do Golfo, não é exatamente um "falcão" fundamentalista,
desses que tomaram o poder em
Washington.
Por isso mesmo, uma de suas frases
na entrevista a Sérgio Dávila, publicada ontem por esta Folha, é ainda
mais reveladora do esquema mental
que está por trás da invasão do Iraque e do morticínio consequente.
Diz o jornalista sobre os mortos civis até agora: "A realidade é que esta
é uma cidade de 5 milhões de habitantes. Até agora, talvez cem pessoas
tenham morrido. (...) Não parece
tanto assim, parece?".
Pois é. Agora, transponha o raciocínio para outra cidade, outro momento, outras mortes. Tomemos Nova
York e os 3.000 mortos nos atentados
de 11 de setembro. Como Nova York
tem 8 milhões de habitantes, se se seguir à risca o obsceno raciocínio de
Arnett, seria possível dizer que os
mortos "não parecem tantos assim,
parecem?".
Parecem sim, meu Deus. Se, em Nova York como no Iraque, um só civil
inocente tivesse sido morto, em vez de
centenas ou milhares, ainda assim
seria inaceitável se o mundo não tivesse se brutalizado.
No caso do Iraque, não são apenas
os mortos. Milhares, talvez milhões,
de pessoas estão sendo obrigadas a
deixar suas casas ou estão vivendo
precariamente sem luz e sem água,
como até a TV norte-americana não
pára de mostrar.
O diabo é que os mortos e os dramas dos "estrangeiros" não contam
nas capitais imperiais. Oficiais britânicos, por exemplo, não estão indignados com os civis iraquianos mortos, mas com suas próprias vítimas,
atingidas pelo chamado "fogo amigo" dos "caubóis" americanos.
Os mortos britânicos são branquinhos. Os outros mortos são o "resto".
É a sórdida realidade.
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