São Paulo, quarta-feira, 02 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Novela macabra

SÃO PAULO - O "silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina", tratado com ironia e horror por Caetano Veloso na letra de "Haiti", referindo-se ao massacre da Casa de Detenção, foi quebrado por uma onda de indignação, da qual a própria canção fez parte. O tema Carandiru entrou no imaginário nacional e inspirou, ainda no campo da cultura, uma potente instalação do artista plástico Nuno Ramos, em 1993, e, mais recentemente, o filme de Hector Babenco, baseado em livro de Drauzio Varella, e o documentário "O Prisioneiro da Grade de Ferro", de Paulo Sacramento.
No âmbito político, o episódio mereceu condenação nacional e internacional, foi execrado pela elite pensante e acabou gerando considerável desgaste para o governador Luiz Antonio Fleury.
Do ponto de vista prático, no entanto, o massacre do Carandiru pouco produziu -talvez um pouco mais de cautela dos governantes na hora de ordenar a invasão de penitenciárias rebeladas. Destruiu-se a Casa de Detenção e houve algum investimento do poder público paulista em novos presídios. Já o coronel Ubiratan, que comandou a operação, foi eleito deputado estadual. E as rebeliões prosseguiram pelo país afora, demonstrando que a situação continua insustentável.
Verdadeiros depósitos onde se acotovelam infratores de todas as espécies, os presídios brasileiros são uma versão terceiro-mundista do inferno. A população, assustada com a criminalidade, pouco parece se importar. Se matassem todos, para muitos talvez fosse mesmo melhor.
A carnificina na casa de custódia de Benfica, no Rio, que se seguiu à barbárie do presídio Urso Branco, em Rondônia, é apenas um novo capítulo dessa novela macabra. Outros ainda virão. Entidades de direitos humanos irão protestar, as autoridades de plantão dirão que a crise não se resolve de uma hora para outra, governantes tentarão acobertar sua inoperância e o sistema continuará falido de qualquer ângulo que se queira observá-lo -do moral ao financeiro.


Texto Anterior: Editoriais: MAIS UM MOTIM

Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: Cizânia no Planalto
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.