São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005

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TRAGÉDIA EM BAGDÁ

É muito possível que nunca se descubra ao certo a causa do tumulto de anteontem em Bagdá que resultou na morte de cerca de mil pessoas que participavam de um festival religioso xiita. Há relatos de que o pânico foi deflagrado pelo boato de que havia um homem-bomba prestes a explodir-se nas imediações.
A versão é verossímil e corroborada pelo fato de que a insurgência (majoritariamente sunita) costuma mesmo lançar ataques contra alvos xiitas, o que tornava crível o rumor. Deve-se recordar, porém, que tragédias análogas já ocorreram sem razão aparente, como foi o caso do corre-corre que, em 1990, matou 1.400 fiéis que participavam do "hajj", a peregrinação a Meca (Arábia Saudita).
Como catástrofes dessa magnitude sempre exigem que se encontrem "culpados", lideranças xiitas já acusam sunitas de ter deliberadamente espalhado o boato do homem-bomba, numa atitude que contribui para aumentar ainda mais a tensão entre os dois grupos religiosos.
Divergências entre xiitas e sunitas -e também curdos- estão na origem do atual impasse constitucional. O esboço de Carta redigido por uma comissão parlamentar atende a pleitos de xiitas, que correspondem a 60% da população, e curdos, que perfazem 20% dos iraquianos, e praticamente exclui as demandas de sunitas. Embora esse grupo responda por outros 20% da população, ele ficou sub-representado na Assembléia Nacional, pois houve boicote eleitoral nas regiões sunitas.
A Constituição deverá ir a consulta popular em outubro e será rejeitada se pelo menos duas províncias recusarem o texto. Os sunitas controlam três regiões, o que basta para assegurar-lhes o direito de veto. Mesmo que não tivessem tal poder de fogo, qualquer acordo político que vise pôr um fim à situação de guerra civil precisa incluir esse grupo, que é, afinal, o grande foco da resistência.
Fruto do acaso ou sordidamente maquinada, a tragédia de anteontem em Bagdá favorece bastante os que apostam no caos e numa eventual fragmentação do Iraque.


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