São Paulo, quarta-feira, 02 de outubro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Vinha-d'alho

RIO DE JANEIRO - Chamava-se Amadeu, torcia pelo Vasco e morreu de infarto após um leitão comemorativo da vitória de seu time num campeonato antigo, quando o Vasco era chamado de "Expresso da Vitória".
Ia esquecendo: era cardíaco, parece que sofria de diabetes e tinha colesterol altíssimo, mas se cuidava. Tanto se cuidava que, em dia de jogo difícil, quando sabia que o Vasco poderia perder para um adversário mais forte, ele tomava um remédio após o almoço, dormia a tarde inteira e, quando acordava, sabia do resultado. Não sofria, sua pressão arterial não se envolvia. E, como o Vasco estava mesmo com um timão, ele ia levando.
Mas não levou muito. Naquele ano, o Vasco surrou por 4 a 0 o Botafogo. Ele dormira durante o jogo, mas deixara o leitão na vinha-d'alho para o banquete da vitória. Nas primeiras garfadas, envolto na bandeira de seu clube, gritou um "Viva o Vasco!" e caiu fulminado.
Tem gente que desejaria imitar o Amadeu neste outubro que começa. Dormir, sonhar talvez, e acordar sabendo o resultado das eleições. Poupar o sofrimento, a angústia do vai-e-vem dos números, das totalizações, do diabo. Amigo meu, também cardíaco, já está de posse da receita médica para comprar o remédio que garantirá seu sono durante os dois dias decisivos.
Não tenho certeza, mas acho que ele é eleitor de Lula, eleitor de carteirinha. Em anos passados, quando era menos cardíaco, acreditava na vitória de seu candidato, mas sobrevivia. Com o tempo, subiram-lhe a pressão arterial, o colesterol, a esperança e o medo. Tem certeza de que, ao acordar, na tarde do dia seguinte ao da eleição, poderá cantar vitória, com leitão ou sem leitão na vinha-d'alho.
Contei-lhe a história do amigo que torcia pelo Vasco e dormia durante as partidas decisivas para poupar o coração e as artérias obstruídas pelo colesterol. Chamava-se Amadeu. Seu caixão foi coberto pela bandeira do Vasco.



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