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CARLOS HEITOR CONY
Vinha-d'alho
RIO DE JANEIRO - Chamava-se Amadeu, torcia pelo Vasco e morreu
de infarto após um leitão comemorativo da vitória de seu time num campeonato antigo, quando o Vasco era
chamado de "Expresso da Vitória".
Ia esquecendo: era cardíaco, parece
que sofria de diabetes e tinha colesterol altíssimo, mas se cuidava. Tanto
se cuidava que, em dia de jogo difícil,
quando sabia que o Vasco poderia
perder para um adversário mais forte, ele tomava um remédio após o almoço, dormia a tarde inteira e,
quando acordava, sabia do resultado. Não sofria, sua pressão arterial
não se envolvia. E, como o Vasco estava mesmo com um timão, ele ia levando.
Mas não levou muito. Naquele ano,
o Vasco surrou por 4 a 0 o Botafogo.
Ele dormira durante o jogo, mas deixara o leitão na vinha-d'alho para o
banquete da vitória. Nas primeiras
garfadas, envolto na bandeira de seu
clube, gritou um "Viva o Vasco!" e
caiu fulminado.
Tem gente que desejaria imitar o
Amadeu neste outubro que começa.
Dormir, sonhar talvez, e acordar sabendo o resultado das eleições. Poupar o sofrimento, a angústia do vai-e-vem dos números, das totalizações,
do diabo. Amigo meu, também cardíaco, já está de posse da receita médica para comprar o remédio que garantirá seu sono durante os dois dias
decisivos.
Não tenho certeza, mas acho que
ele é eleitor de Lula, eleitor de carteirinha. Em anos passados, quando era
menos cardíaco, acreditava na vitória de seu candidato, mas sobrevivia.
Com o tempo, subiram-lhe a pressão
arterial, o colesterol, a esperança e o
medo. Tem certeza de que, ao acordar, na tarde do dia seguinte ao da
eleição, poderá cantar vitória, com
leitão ou sem leitão na vinha-d'alho.
Contei-lhe a história do amigo que
torcia pelo Vasco e dormia durante
as partidas decisivas para poupar o
coração e as artérias obstruídas pelo
colesterol. Chamava-se Amadeu. Seu
caixão foi coberto pela bandeira do
Vasco.
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