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RUY CASTRO
Suplício insalubre
RIO DE JANEIRO - Votar é bom,
mas nada como ser despertado pelo
rádio com música honesta, e não
com a propaganda eleitoral obrigatória -o que só voltou a acontecer a
partir de ontem, depois de semanas
de suplício.
Se alguém tinha dúvida quanto
ao cinismo das campanhas, era só
ouvir no rádio a sarabanda de sotaques nos jingles dos candidatos à
Presidência. Não bastavam a acachapante demagogia dos textos, o
pegajoso troca-troca de louvações e
as promessas sempre revisadas em
função de declarações dos adversários ou da reação de setores da sociedade a respeito de algum tema.
Tudo isso precisava também ser
dito à maneira desta ou daquela região, para mostrar como o candidato X ou Y convinha ao país inteiro.
Mas com tal falta de sutileza que era
impossível não rir ao escutar aqueles sotaques de anedota ou de programa humorístico, tipo "PRK-30".
A sintonia fina que os publicitários
costumam ter ao vender produtos
reais (por exemplo, dar um toque
quase adolescente aos comerciais
de cerveja) se esboroa quando se
trata de vender políticos. Eles são
difíceis mesmo de vender -porque
não são reais.
Com a interrupção das campanhas, poderemos voltar a atender
ao telefone sem ter as oiças tomadas por um político se jactando de
suas realizações -uma das formas
mais invasivas e odiosas de nos implorar o voto. E poderemos voltar a
andar pelas calçadas sem ter de driblar tabuletas pela pista dos carros
-não apenas pelo risco que isso representava, mas pelo mal-estar
provocado pelos sorrisos alvares
impressos nos rostos tratados a botox e Photoshop dos candidatos a
deputado.
Você dirá que, na democracia,
não há outra maneira de saber o
que os políticos pensam fazer. Há,
sim. Se tivéssemos partidos de verdade no Brasil, bastaria votar numa
sigla, mantendo-nos a uma salubre
distância dos candidatos.
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