São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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IRAQUE CONTRA IRAQUE

Tudo indica que a intenção dos perpetradores é lançar o Iraque numa guerra civil de larga escala. O duplo atentado desferido contra mesquitas xiitas ontem buscou, além da destruição física -que produziu pelo menos 170 mortos e 440 feridos-, a agressão simbólica.
Os ataques ocorrem em plena "Ashura", um dos principais festivais xiitas, no qual se celebra um dos eventos da história do islã mais ligados à identidade desta seita muçulmana: o martírio de Hussein, o neto do profeta Muhammad, por sunitas, após a batalha de Karbala, em 680.
As desavenças entre sunitas e xiitas começaram logo após a morte de Muhammad, em 632. Enquanto os primeiros estavam dispostos a aceitar como sucessor (califa) do profeta qualquer um capaz de liderá-los, os xiitas insistiam em que a escolha recaísse sobre parentes de Muhammad. Pretendiam entronizar Ali, que era primo e genro do profeta. Ali acabou se tornando o quarto califa em 656, mas foi assassinado cinco anos depois. Seu filho, Hussein, tentou recuperar o posto do pai, mas, sem apoio, foi derrotado em Karbala.
As discórdias políticas entre xiitas e sunitas logo deram lugar a divisões teológicas, embora nenhuma delas pareça especialmente significativa. Foi no final do século 20, com a revolução iraniana e seus clérigos políticos, que os xiitas ganharam a merecida fama de radicais. Os bárbaros atentados de ontem, contudo, quase certamente praticados por sunitas, evidenciam que o fanatismo não é prerrogativa de uma das seitas.
Resta saber como os xiitas vão responder aos ataques. Embora minoritários no islã, eles são majoritários no Iraque, correspondendo a cerca de 60% da população. Já estavam descontentes com a exclusão da "sharia" -a lei islâmica- como principal fonte da legislação civil. Se aceitarem a provocação -muito provavelmente lançada pela Al Qaeda-, a violência no Iraque, que já é grande, poderá assumir dimensão ainda mais assustadora.


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