São Paulo, quarta-feira, 03 de março de 2004

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FERNANDO RODRIGUES

Fato novo, uma demência

BRASÍLIA - Há uma lógica demencial em Brasília. Quando surge um escândalo, a reação imediata é de terra arrasada. Demite-se o envolvido. Começa um festival de coleta de assinaturas a favor de uma CPI.
Em seguida, quase que de maneira imediata, integrantes do governo sacam do coldre o argumento mortal: "É preciso um fato novo para haver CPI ou para que o ministro seja demitido". Ou ainda: "Se não tiver fato novo, fica por isso mesmo".
No Brasil, são necessários crimes em série para haver punição. Ontem havia um fato novo na manchete desta Folha: "Maioria quer o afastamento de Dirceu, mas poupa Lula". Para 67% dos entrevistados pelo Datafolha em todo o país, o ministro José Dirceu, ex-chefe de Waldomiro Diniz, deve sair do Planalto.
Opinião da população há muito tempo não é fato novo para os políticos. Registre-se que essa atitude não nasceu no PT. Em 1997, dois deputados revelaram ter recebido R$ 200 mil em dinheiro para votar a favor da emenda da reeleição, de FHC. Renunciaram ao mandato. Sumiram. Nada foi investigado. Era necessário, dizia-se, um fato novo.
Em 1999, a coleção completa das fitas do grampo do BNDES mostrava FHC dizendo "não tenha dúvida, não tenha dúvida", em resposta se seu nome poderia ser usado na montagem de um consórcio interessado na compra da Telebrás. Nada aconteceu. Faltou um fato novo.
Agora, o assessor do ministro da Casa Civil revela ter-se encontrado às escondidas com um empresário do ramo de loterias -já durante o governo Lula. O mesmo a quem havia pedido propina e doações para campanhas políticas. Exonerado o funcionário, nada se faz dentro do Planalto para punir o responsável pela contratação do demitido. Sem um fato novo, nada acontece.
Ao se esvair com o argumento do fato novo inexistente, o Planalto salva José Dirceu. Paga caro. Vigora no governo um estado perene de afasia mental. O país está paralisado.


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