São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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DECISÃO POLÊMICA

Parece correta a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio de Mello de liberar a interrupção de gravidez em casos de anencefalia do feto. A determinação do ministro, que tem caráter apenas liminar, mas vale para todo o país, está longe de significar a legalização do aborto.
A anencefalia é uma má-formação embrionária que resulta na ausência de hemisférios cerebrais e de cerebelo. Ela não tem cura e é incompatível com a vida fora do útero. As estatísticas variam de país para país, mas a Febrasgo (Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia) estima que, por aqui, a anencefalia ocorra a uma taxa de 2 para cada 1.000 gravidezes. Boa parte delas termina em abortos espontâneos, mas algo como 4 de cada 10 mil nascimentos são de bebês anencefálicos. Eles geralmente morrem com poucos minutos de vida, mas alguns conseguem sobreviver por dias. Crianças anencefálicas, até onde se sabe, não desempenham funções cognitivas e não vêem, ouvem nem sentem dor.
Como bem apontou o ministro Marco Aurélio de Mello em sua decisão, submeter uma mulher com diagnóstico de gravidez anencefálica a seguir com a gestação significa impor-lhe -e à família- "danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina". Com efeito, forçar uma mulher já decepcionada com a notícia de que seu filho não viverá a suportar meses e meses de uma gravidez que pode evocar-lhe sentimentos terríveis configura uma situação cruel. Talvez fosse admissível se a criança tivesse uma pequena chance de sobrevivência. Infelizmente, não tem.
A liminar de Marco Aurélio de Mello consagra jurisprudência de cortes inferiores. O caso será submetido ao plenário do STF depois do recesso de julho. Espera-se que os ministros confirmem a decisão, sobretudo quando se considera que ela não é impositiva, isto é, que cada mulher estará livre para escolher se quer ou não seguir com a gestação.


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