São Paulo, sábado, 03 de julho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

E Saddam ganhou

SÃO PAULO - É inacreditável, mas a maneira como os Estados Unidos atuaram na crise iraquiana conseguiu a nada trivial proeza de recuperar a imagem de uma das mais nefandas figuras da história contemporânea, um certo Saddam Hussein al Majid, "presidente do Iraque".
Se alguma dúvida pudesse haver, bastaria ler o relato publicado pelo jornal britânico "The Guardian" sobre o depoimento que Saddam prestou anteontem:
"Olhos claros, persistente, agudo e amargurado, Saddam, por 26 minutos, parecia encher a corte com suas bazófias. Diante dele, o jovem juiz de rosto barbeado, assustado demais para dar o nome, parecia perdido na tentativa de cortar os sermões do ex-ditador", diz o texto.
Ao bufão de uniforme militar e um trabuco na mão, sua foto mais constante antes da queda, ninguém que não tivesse alguma tara daria alguma razão. A maneira como atuou George Walker Bush fez, no entanto, com que o senhor de terno e camisa branca que apareceu no tribunal tenha razões, gostem ou não dele.
Tem razão ao intitular-se presidente do Iraque. Se a invasão foi ilegal, ilegal também é sua deposição, argumenta. Mais de um respeitável líder ocidental e a própria cúpula da ONU dizem que a invasão foi ilegal.
Tem razão também ao chamar Bush de criminoso. Os civis inocentes mortos no Iraque, as cenas da prisão de Abu Ghraib, para não mencionar Guantánamo, são incontestáveis. Pode-se até argumentar que Saddam matou mais. Não vale. Primeiro, ninguém sabe nem quantos ele matou nem quantos as forças de ocupação mataram. Segundo, direitos humanos não se medem por quilo, mas pelo respeito ou desrespeito a eles.
É isso que dá à democracia a superioridade moral sobre gente como Saddam. Tê-la minado é o maior dos crimes que o presidente dos Estados Unidos cometeu.


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