|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
E Saddam ganhou
SÃO PAULO - É inacreditável, mas a maneira como os Estados Unidos
atuaram na crise iraquiana conseguiu a nada trivial proeza de recuperar a imagem de uma das mais nefandas figuras da história contemporânea, um certo Saddam Hussein al
Majid, "presidente do Iraque".
Se alguma dúvida pudesse haver,
bastaria ler o relato publicado pelo
jornal britânico "The Guardian" sobre o depoimento que Saddam prestou anteontem:
"Olhos claros, persistente, agudo e
amargurado, Saddam, por 26 minutos, parecia encher a corte com suas
bazófias. Diante dele, o jovem juiz de
rosto barbeado, assustado demais
para dar o nome, parecia perdido na
tentativa de cortar os sermões do ex-ditador", diz o texto.
Ao bufão de uniforme militar e um
trabuco na mão, sua foto mais constante antes da queda, ninguém que
não tivesse alguma tara daria alguma razão. A maneira como atuou
George Walker Bush fez, no entanto,
com que o senhor de terno e camisa
branca que apareceu no tribunal tenha razões, gostem ou não dele.
Tem razão ao intitular-se presidente do Iraque. Se a invasão foi ilegal,
ilegal também é sua deposição, argumenta. Mais de um respeitável líder
ocidental e a própria cúpula da ONU
dizem que a invasão foi ilegal.
Tem razão também ao chamar
Bush de criminoso. Os civis inocentes
mortos no Iraque, as cenas da prisão
de Abu Ghraib, para não mencionar
Guantánamo, são incontestáveis. Pode-se até argumentar que Saddam
matou mais. Não vale. Primeiro, ninguém sabe nem quantos ele matou
nem quantos as forças de ocupação
mataram. Segundo, direitos humanos não se medem por quilo, mas pelo respeito ou desrespeito a eles.
É isso que dá à democracia a superioridade moral sobre gente como
Saddam. Tê-la minado é o maior dos
crimes que o presidente dos Estados
Unidos cometeu.
Texto Anterior: Editoriais: CENSURA INDICATIVA Próximo Texto: Brasília - Fernando Rodrigues: O erro de Marta Índice
|