São Paulo, Sábado, 03 de Julho de 1999
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Ocaso da tolerância

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Acaso ou não, a tolerância universal está em ocaso. Tivemos recentemente a declaração enfática de FHC, que ameaçou a nação com o limite de sua tolerância. Muita gente, inclusive eu, descobrimos que também chegamos ao limite da tolerância para com o governo.
Vem agora um dos principais comandantes da Otan e declara que as operações militares na Iugoslávia chegaram ao limite. Eles fizeram aquilo que podemos chamar de ""dever de casa", mas não foi o bastante. Era preciso, tal como aquele óleo lubrificante, dar um algo a mais.
No caso da Otan, que gastou uma fortuna em armamentos ditos convencionais, o limite deve ser compreendido apocalipticamente. Os foguetes e mísseis fizeram estragos e não convenceram. Nem aos perdedores, nem aos vencedores.
A alternativa que ficou explícita no desabafo do valente cabo-de-guerra da Otan, que pelo nome parece italiano, é aquela mesma: a ""pax" americana chegou ao limite da tolerância para com os rebeldes que bagunçam a ordem mundial. Para eles, só resta a solução nuclear.
Merecida, por sinal. As autoridades americanas, que comandam direta ou indiretamente as operações da Otan, revelaram que os atentados contra os direitos humanos naquela região foram intoleráveis. Daí a intolerância.
No mesmo dia em que a imprensa revelou esse desabafo, mais um dossiê contra Pinochet veio a público. No Chile, durante anos, e com a bênção e o apoio econômico, político e militar dos Estados Unidos, o regime de Pinochet foi de incrível demência contra seus adversários.
Cobrar coerência dos outros é inútil. Conheço mil argumentos para justificar minhas próprias incoerências. Apesar disso, sinto-me desconfortável na companhia de FHC e da Otan, reconhecendo que a solução é a intolerância.
A diferença é que a intolerância de um presidente e de um exército é sinistra. A minha é inútil: é a intolerância do pescoço em relação à lâmina da guilhotina.



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