São Paulo, Sábado, 03 de Julho de 1999
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As mudanças na telefonia depois da privatização beneficiam os usuários?

NÃO
Uma dívida com o povo brasileiro

VICENTE PAULO DA SILVA

O novo sistema de interurbanos pode, potencialmente, beneficiar os usuários. A escolha da operadora no ato da ligação é, sem dúvida, um avanço. Essa flexibilidade não existe, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a opção pela companhia é feita previamente, por meio de um contrato de exclusividade.
Precisamos, no entanto, ter cautela. Os usuários comuns de telefonia interurbana -pelo menos até agora- não estão se beneficiando da concorrência. As tarifas residenciais continuam as mesmas, e representantes das operadoras já declararam que não travarão a "guerra de tarifas". Para os grandes usuários (empresas, bancos etc.), já se anunciam descontos acima de 20%. Para o cidadão, apenas sorteios de prêmios e outras formas de ilusionismo em troca da fidelidade e dos milhões de reais que essa atividade gera.
Os novos donos das empresas de telecomunicações estão devendo (e muito) ao povo brasileiro as melhorias prometidas durante a privatização. Das premissas que "justificaram", aos olhos do governo federal, a entrega desse patrimônio estratégico ao setor privado, quatro eram as principais: redução de tarifas, avanços na qualidade, universalização dos serviços e geração de empregos. Não é preciso dizer muito para provar que nenhuma virou realidade.
Pelo contrário: o que vemos Brasil afora é uma queda acentuada da qualidade. Os casos da Telefônica, em São Paulo, e da Telemar-Minas, apenas para ficar nesses dois Estados, são suficientemente ilustrativos. O caos a que chegou a telefonia em São Paulo motivou a abertura de uma CPI, que já discute a criação de uma comissão de defesa dos usuários, tal o volume de problemas. E impressiona a falta de resultados da Anatel no cumprimento de suas atribuições quanto à fiscalização. Em Minas, onde a então Telemig ocupava o topo do ranking de qualidade do Sistema Telebrás nos quatro anos anteriores à privatização, os serviços de telefonia sofreram, em junho, três panes no curto intervalo de oito dias.
Embora tenham sido beneficiários de generosos aumentos tarifários concedidos pelo governo às vésperas da privatização (quase 2.000% só na assinatura residencial), os novos operadores do sistema andam na contramão das promessas de reduzir tarifas. Seus lobbies trabalharam em tempo integral, nos corredores "adequados", para forçar a liberação de mais um reajuste, já questionado no Poder Judiciário.
No item universalização, basta lembrar que o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), criado pela Lei Geral das Telecomunicações, até agora não foi regulamentado. Seus recursos seriam constituídos, em parte, pela taxação de 1% sobre o faturamento das empresas privadas do setor; mas a voz dos lobbies, novamente, tem falado mais alto, fazendo com que esse fundo ainda repouse em alguma gaveta do Congresso.
Com relação à geração de empregos, lembremo-nos do que falou o então ministro Sérgio Motta: da entrada do setor privado, afirmou ele, resultaria a criação de 100 mil empregos diretos somente nas operadoras e de outros 900 mil nas indústrias de telecomunicações. A realidade mostra que as companhias telefônicas, ao invés de contratar, já demitiram 18 mil trabalhadores em 11 meses de operação.
Nas indústrias do ramo, a tragédia pode ser ainda maior. De sede de um parque industrial que movimentou R$ 10 bilhões em 1997, o Brasil pode se converter em mero entreposto comercial. Como já havíamos alertado, estamos exportando empregos para os países nos quais estão situadas as matrizes dos grupos que adquiriram o Sistema Telebrás. Além disso, empresas nacionais com longa tradição nesse mercado estão sendo vendidas ao capital internacional, formando um ralo por onde se escoam nossos empregos e nossa capacidade tecnológica.
Mais miséria e menos soberania: eis o cenário em que o governo federal nos lançou com o processo açodado e irresponsável da privatização. Obter algum benefício com a concorrência nas chamadas interurbanas seria uma primeira e mínima compensação para um povo que, até aqui, só colheu prejuízos com a perda do patrimônio público.


Vicente Paulo da Silva, 43, metalúrgico, é presidente da Central Única dos Trabalhadores e do Inspir (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial). Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-94).



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