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As mudanças na telefonia depois da privatização beneficiam os usuários?
NÃO
Uma dívida com o povo brasileiro
VICENTE PAULO DA SILVA
O novo sistema de interurbanos pode,
potencialmente, beneficiar os usuários.
A escolha da operadora no ato da ligação é, sem dúvida, um avanço. Essa flexibilidade não existe, por exemplo, nos
Estados Unidos, onde a opção pela
companhia é feita previamente, por
meio de um contrato de exclusividade.
Precisamos, no entanto, ter cautela.
Os usuários comuns de telefonia interurbana -pelo menos até agora- não
estão se beneficiando da concorrência.
As tarifas residenciais continuam as
mesmas, e representantes das operadoras já declararam que não travarão a
"guerra de tarifas". Para os grandes
usuários (empresas, bancos etc.), já se
anunciam descontos acima de 20%. Para o cidadão, apenas sorteios de prêmios e outras formas de ilusionismo em
troca da fidelidade e dos milhões de
reais que essa atividade gera.
Os novos donos das empresas de telecomunicações estão devendo (e muito)
ao povo brasileiro as melhorias prometidas durante a privatização. Das premissas que "justificaram", aos olhos do
governo federal, a entrega desse patrimônio estratégico ao setor privado,
quatro eram as principais: redução de
tarifas, avanços na qualidade, universalização dos serviços e geração de empregos. Não é preciso dizer muito para
provar que nenhuma virou realidade.
Pelo contrário: o que vemos Brasil
afora é uma queda acentuada da qualidade. Os casos da Telefônica, em São
Paulo, e da Telemar-Minas, apenas para
ficar nesses dois Estados, são suficientemente ilustrativos. O caos a que chegou
a telefonia em São Paulo motivou a
abertura de uma CPI, que já discute a
criação de uma comissão de defesa dos
usuários, tal o volume de problemas. E
impressiona a falta de resultados da
Anatel no cumprimento de suas atribuições quanto à fiscalização. Em Minas, onde a então Telemig ocupava o topo do ranking de qualidade do Sistema
Telebrás nos quatro anos anteriores à
privatização, os serviços de telefonia sofreram, em junho, três panes no curto
intervalo de oito dias.
Embora tenham sido beneficiários de
generosos aumentos tarifários concedidos pelo governo às vésperas da privatização (quase 2.000% só na assinatura
residencial), os novos operadores do
sistema andam na contramão das promessas de reduzir tarifas. Seus lobbies
trabalharam em tempo integral, nos
corredores "adequados", para forçar a
liberação de mais um reajuste, já questionado no Poder Judiciário.
No item universalização, basta lembrar que o Fundo de Universalização
dos Serviços de Telecomunicações
(Fust), criado pela Lei Geral das Telecomunicações, até agora não foi regulamentado. Seus recursos seriam constituídos, em parte, pela taxação de 1% sobre o faturamento das empresas privadas do setor; mas a voz dos lobbies, novamente, tem falado mais alto, fazendo
com que esse fundo ainda repouse em
alguma gaveta do Congresso.
Com relação à geração de empregos,
lembremo-nos do que falou o então ministro Sérgio Motta: da entrada do setor
privado, afirmou ele, resultaria a criação de 100 mil empregos diretos somente nas operadoras e de outros 900 mil
nas indústrias de telecomunicações. A
realidade mostra que as companhias telefônicas, ao invés de contratar, já demitiram 18 mil trabalhadores em 11 meses de operação.
Nas indústrias do ramo, a tragédia pode ser ainda maior. De sede de um parque industrial que movimentou R$ 10
bilhões em 1997, o Brasil pode se converter em mero entreposto comercial.
Como já havíamos alertado, estamos
exportando empregos para os países
nos quais estão situadas as matrizes dos
grupos que adquiriram o Sistema Telebrás. Além disso, empresas nacionais
com longa tradição nesse mercado estão sendo vendidas ao capital internacional, formando um ralo por onde se
escoam nossos empregos e nossa capacidade tecnológica.
Mais miséria e menos soberania: eis o
cenário em que o governo federal nos
lançou com o processo açodado e irresponsável da privatização. Obter algum
benefício com a concorrência nas chamadas interurbanas seria uma primeira
e mínima compensação para um povo
que, até aqui, só colheu prejuízos com a
perda do patrimônio público.
Vicente Paulo da Silva, 43, metalúrgico, é presidente da
Central Única dos Trabalhadores e do Inspir (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial). Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-94).
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