São Paulo, sexta-feira, 03 de setembro de 2004

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O VÉU DA CRISE

Começou a vigorar ontem a lei que bane o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas da França. A medida, concebida para impedir jovens muçulmanas de usar o véu, é tão polêmica que teve sua estréia marcada por uma crise internacional. Dois jornalistas franceses que se encontravam no Iraque foram seqüestrados por radicais islâmicos que exigiram a revogação da lei para libertá-los com vida.
A França, acertadamente, negou-se até a discutir a possibilidade de voltar atrás na aplicação do dispositivo legal, mas fez um grande esforço diplomático para obter a soltura dos repórteres. Seria de fato um precedente perigoso se Paris tivesse cedido, dando a terroristas a sensação de que está a seu alcance derrubar leis nacionais através da chantagem.
Se a França acertou ao não retroceder, o mesmo não se pode dizer em relação ao teor da nova lei. Os objetivos do governo são, como com quase toda proposta equivocada, louváveis. A meta é integrar todos os cidadãos franceses, muçulmanos e não-muçulmanos, ao secularismo laico e republicano. A pergunta que se coloca é se o remédio escolhido para fazê-lo é o mais adequado.
Mesmo considerando plausível a hipótese de que muitas alunas muçulmanas francesas só usem o véu por imposição familiar, parece precipitado afirmar que esse adereço esteja totalmente desprovido de valor cultural. Enfim, não é impossível que muitas alunas desejem vesti-lo e se identifiquem positivamente com suas origens islâmicas.
Com efeito, a proibição pura e simples de símbolos religiosos é uma violência grande demais contra alunos que tenham feito opção por alguma fé. A medida também reflete uma visão discutível de democracia, na qual a tolerância e o respeito à diversidade ficam diminuídos.
A escola pública deve ser laica, e a integração secular é um valor a perseguir. Só que essas metas não podem ser buscadas à custa da mais elementar liberdade individual, que é a de possuir uma individualidade e exprimi-la de forma pacífica.


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