|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O VÉU DA CRISE
Começou a vigorar ontem a lei
que bane o uso de símbolos religiosos ostensivos nas escolas públicas da França. A medida, concebida para impedir jovens muçulmanas
de usar o véu, é tão polêmica que teve
sua estréia marcada por uma crise internacional. Dois jornalistas franceses que se encontravam no Iraque foram seqüestrados por radicais islâmicos que exigiram a revogação da
lei para libertá-los com vida.
A França, acertadamente, negou-se
até a discutir a possibilidade de voltar
atrás na aplicação do dispositivo legal, mas fez um grande esforço diplomático para obter a soltura dos
repórteres. Seria de fato um precedente perigoso se Paris tivesse cedido, dando a terroristas a sensação de
que está a seu alcance derrubar leis
nacionais através da chantagem.
Se a França acertou ao não retroceder, o mesmo não se pode dizer em
relação ao teor da nova lei. Os objetivos do governo são, como com quase toda proposta equivocada, louváveis. A meta é integrar todos os cidadãos franceses, muçulmanos e não-muçulmanos, ao secularismo laico e
republicano. A pergunta que se coloca é se o remédio escolhido para fazê-lo é o mais adequado.
Mesmo considerando plausível a
hipótese de que muitas alunas muçulmanas francesas só usem o véu
por imposição familiar, parece precipitado afirmar que esse adereço esteja totalmente desprovido de valor
cultural. Enfim, não é impossível que
muitas alunas desejem vesti-lo e se
identifiquem positivamente com
suas origens islâmicas.
Com efeito, a proibição pura e simples de símbolos religiosos é uma
violência grande demais contra alunos que tenham feito opção por alguma fé. A medida também reflete
uma visão discutível de democracia,
na qual a tolerância e o respeito à diversidade ficam diminuídos.
A escola pública deve ser laica, e a
integração secular é um valor a perseguir. Só que essas metas não podem ser buscadas à custa da mais
elementar liberdade individual, que é
a de possuir uma individualidade e
exprimi-la de forma pacífica.
Texto Anterior: Editoriais: MANOBRA CASUÍSTA Próximo Texto: Monterrey (México) - Clóvis Rossi: Perplexidades Índice
|