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TENDÊNCIAS/DEBATES
Mais uma eleição
RACHEL MORENO
Mais uma eleição se avizinha, e os
atores sociais envolvidos nesse
processo começam a ocupar o espaço.
No horário de propaganda gratuita na
TV, as estrelas de cada partido político
se posicionam e tentam atingir a imagem de seus adversários; os candidatos
tentam congregar simpatizantes em
torno de causas e eventos; os publicitários se aproximam dos partidos; tribunais eleitorais discutem as melhores
cláusulas e a legislação referente ao pleito; institutos e assessores de pesquisa
tentam ampliar sua visibilidade, divulgando pesquisas e contatando clientes
potenciais.
A pesquisa eleitoral (principalmente a
de intenção de voto) é apenas a face
mais visível da pesquisa de mercado,
opinião e mídia, que tem muitas outras
aplicações.
Serviços e gestões são avaliados a partir de pesquisas de opinião pública, que
fornecem subsídios para sua manutenção, adequação ou modificação. Governantes pautam sua atitude com base em
pesquisas de opinião pública, identificam novas oportunidades de negócios,
investigam a proporção de crimes cometidos contra a população e não relatados em boletins de ocorrência. Fabricantes e anunciantes usam-nas para tomar decisões ou desenvolver novos
produtos e campanhas. A mídia toma
conhecimento de sua audiência, os autores modificam personagens e tramas
de programas baseados em resultados
de pesquisas. Conhecer a opinião pública significa ter dados e informações que
permitam entendê-la e respeitá-la, ou
manipulá-la.
Como em todas as profissões, temos
bons e maus profissionais na área de
pesquisa. Entretanto, em época de eleição, há pessoas estranhas à categoria,
que vislumbram uma possibilidade de
ganhos fáceis, sem se aperceberem ou
darem importância às dificuldades e
responsabilidades aí envolvidas. E se
aventuram, adotando procedimentos
frequentemente inadequados, encontrando resultados que mais refletem os
interesses de seus clientes do que a realidade -resultados esses divulgados
com estardalhaço e sustentados até a
hora da verdade, quando as urnas revelam seu erro.
Não conhecem a metodologia adequada e utilizada internacionalmente,
não são signatários de nenhum código
de ética, não são filiados a nenhuma entidade de classe e somem tão misteriosamente como surgiram.
Mas há também bons institutos de
pesquisa e que não são necessariamente
os grandes, ou os que divulgam suas
pesquisas na mídia. Há os que trabalham para fornecer subsídios às campanhas; alguns desses eventualmente publicam o resultado de suas pesquisas. E
há, finalmente, os que, como o Datafolha, trabalham, nas eleições, exclusivamente para um órgão de imprensa.
A busca de notícias por parte dos órgãos de imprensa muitas vezes os leva
inadvertidamente a enfatizar a novidade, mesmo que ela não tenha significância estatística. É o caso das manchetes
que apregoam: "Fulano disparou 2 pontos nas pesquisas. Sicrano despencou 3"
-mesmo que o resultado relatado tenha sido extraído de pesquisas cuja
margem de erro é de 3%.
A grande imprensa já começa a incorporar, no corpo das matérias, ficha técnica em que constam a data da coleta
dos dados, a metodologia, procedimento, amostra, margem de erro e intervalo
de confiança. Veículos menores, de outras localidades, frequentemente reproduzem as manchetes, omitindo esses
dados e aumentando a inadequação das
interpretações exageradas.
Conhecer a opinião pública significa ter dados e informações que permitam entendê-la e respeitá-la, ou manipulá-la
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Outros usos dos resultados das pesquisas eleitorais marcaram o cenário do
ano passado. O uso feito da informação
privilegiada das pesquisas por parte de
instituições financeiras provocou a instabilidade do câmbio, a oscilação do risco Brasil, com todas as suas consequências, ao sabor das subidas e quedas de
intenção de voto nos candidatos à Presidência.
Finalmente, os candidatos, a quem a
lei garante o direito de publicidade, recortam as manchetes e dados de pesquisa que os favoreçam, fazem gráficos
exagerando sua vantagem e divulgam-nos de forma atemporal, enfatizando
apenas os seus ganhos, comparando
pesquisas de datas e fontes distintas.
Quem perde com isso?
Perdem os pesquisadores -a credibilidade é essencial ao nosso trabalho. E
perdem os eleitores o que de melhor
lhes oferecemos, a democratização da
informação verdadeira e simultaneamente dada a todos.
A Justiça Eleitoral e alguns parlamentares têm se preocupado com essa questão. Porém nem sempre as regras e projetos apresentados têm alcançado seu
objetivo, já que os aspectos técnicos que
nos permitem saber se uma amostra foi
bem construída, um questionário não
induziu ao viés, a verificação do campo
foi suficiente, o número e a distribuição
dos grupos foram adequados para captar um perfil qualitativo do eleitor não
são de domínio geral.
A SBPM (Sociedade Brasileira de Pesquisadores de Mercado) começa, no dia
13 de outubro, a credenciar os pesquisadores de experiência e formação comprovadas. E está empenhada na criação do Conselho Federal de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia, como autarquia de personalidade jurídica vinculada ao Ministério do Trabalho.
Caberia a esse conselho disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão tanto
das pessoas físicas, como das jurídicas -instituindo a obrigatoriedade de sua
inscrição, para inibir o surgimento dos institutos fantasmas, submetendo todos
aos mesmos direitos, deveres e responsabilidades e fiscalizando a sua atividade de forma eficaz, técnica, isenta e objetiva. Mas a tramitação dos projetos no
Legislativo é lenta e o calendário avança.
Passaremos mais uma eleição sem esse instrumento legal?
Rachel Moreno, 57, psicóloga social e pesquisadora, é a presidente da SBPM.
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