São Paulo, domingo, 03 de novembro de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Para onde vão os nossos alimentos?

Ninguém questiona a necessidade de mitigar a fome com a maior urgência. Mas há algumas questões a esclarecer.
1) No Brasil, quando se divide a safra de grãos pela população, a produção per capita é de 580 quilos por ano -enquanto no resto do mundo é de 300 quilos. Não se pode dizer que os alimentos vão para o exterior, pois exportamos menos de 1% das exportações mundiais. Para onde vão então?
2) Costuma-se dizer que a fome é reflexo da má distribuição de renda. Mas, para quem ganha de um a dois salários mínimos, um acréscimo de 1% na renda determina um aumento de 0,8% no consumo de alimentos, enquanto para as pessoas de rendimentos mais altos, esse aumento é de apenas 0,2%, pois seus estômagos são limitados... Como se distribui a ingestão direta e indireta dos 580 quilos de grãos?
3) É comum usar a baixa renda como indicador de pobreza e de fome. Sabendo que a maioria dos pobres está no Nordeste, em especial no campo, quantos são os que, apesar de não terem renda, têm acesso a frutas, peixes, feijão, farinha e outros alimentos?
4) Os números sobre as pessoas que passam fome são os mais desencontrados. O Instituto da Cidadania do PT estima em 44 milhões; alguns órgãos do governo federal falam em 14 milhões; outros em 24 milhões. Afinal, quantos são os que precisam ser atendidos? O atendimento será meramente assistencialista?
5) O IBGE nos diz que os brasileiros de baixa renda aumentaram o consumo de carne bovina, de frango, de queijos e de biscoitos. No mundo, consome-se cerca de 38 quilos de carne per capita anualmente; no Brasil, são 60 quilos. Quem está longe dessa média? Quantos são?
Com tanta comida disponível, o problema da fome é uma vergonha mundial. Para atacá-lo com eficiência, porém, é crucial escolher um método que seja capaz de eliminar essas diferenças.
Os programas do governo atual distribuem R$ 15 por pessoa pobre para comprar os alimentos que quiser. O programa do novo governo pretende distribuir um cartão magnético com um crédito de R$ 50 a R$ 150 para os pobres comprarem determinados alimentos (cesta básica preestabelecida) em pontos-de-venda selecionados.
É preciso tomar cuidado. O excesso de burocracia pode matar o programa, e não a fome. Não faltarão no cenário os políticos que têm um outro tipo de fome, a de dominar o cadastro dos famintos para, junto a eles, exercerem sua influência. Lembram-se do programa do leite do Sarney?
Os que têm fome precisam de uma solução simples (por que comprar só o que o governo quer?) e barata (por que gastar o que não temos?). É bom pensar muito antes de agir. Cabe ao novo governo, em primeiro lugar, analisar o destino da nossa imensa produção de alimentos.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.

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