São Paulo, sábado, 04 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil corre risco de contágio pela crise argentina?

SIM

Crescer para segurar a estabilidade

ERIKSOM TEIXEIRA LIMA e MARCELO MITERHOF

Em geral, o contágio de turbulências externas é medido pela elevação do risco-país e pela existência de pressões sobre a taxa de câmbio. Sob esse ponto de vista, o Brasil teria conseguido se descolar da Argentina no final de 2001, na medida em que esses indicadores não seguem a mesma trajetória para os dois países. O risco-país e o câmbio no Brasil, a despeito das variações ocorridas nos últimos dias, regrediram a patamares semelhantes aos que vigoravam antes do agravamento da crise argentina.
Isso foi possível porque as autoridades econômicas utilizaram instrumentos de curto prazo, como aumentar os juros e vender títulos públicos indexados ao câmbio, para conter a desvalorização cambial, o que assegurou um hiato de tranquilidade ao cenário econômico. Note-se que, ao usar a fixação dos juros para esse fim, o Banco Central rompeu com o "manual" do regime de metas inflacionárias, que basicamente preconiza que a manipulação da taxa de juros deve se pautar apenas pelos efeitos da demanda sobre o nível de preços.
Mas a elevação dos juros, com seus efeitos sobre a atividade econômica, e a piora do perfil da dívida pública significam que a economia brasileira se moveu para uma situação mais grave que a existente no início de 2001. Assim, pode-se afirmar que os efeitos deletérios de contágio da crise argentina permanecem presentes na economia nacional. Mas a questão que ora deve ser respondida é: O aprofundamento da deterioração econômica na Argentina trará novos efeitos negativos para o Brasil?
Entendemos que sim. A maneira irresponsável como o FMI, o Banco Mundial, os EUA e os outros países desenvolvidos têm tratado a crise da Argentina, um dos países que mais se empenharam em seguir as reformas liberalizantes, tende a levar a medidas extremas. Em termos econômicos, isso pode significar, por exemplo, o estabelecimento de controles rígidos sobre a movimentação de capitais. Em situações desse tipo, como bem mostrou a história das crises internacionais dos anos 90, é inevitável que o Brasil seja atingido. E isso aconteceria não somente porque muitos investidores internacionais ainda crêem que a capital do Brasil seja Buenos Aires, mas, principalmente, devido ao fato de que os indicadores macroeconômicos do país são frágeis.
A dívida pública tem trajetória crescente, perfil de curto prazo e é composta predominantemente por títulos pós-fixados ou com correção cambial. O déficit nas transações correntes do balanço de pagamentos foi, em 2001, de cerca de 4,5% do PIB, apesar de o país ter obtido superávit comercial. Note-se que esse superávit deveu-se à retração econômica, e não a um bom desempenho exportador. Além disso, a carga tributária, que neste governo saltou, em números redondos, de 25% para 34% do PIB, não suporta incrementos significativos.
Isso é resultado da persistência de uma política econômica voltada prioritariamente ao curto prazo. Para assegurar a estabilidade monetária, abusou-se do quadro de elevada liquidez internacional nos anos 90, o que permitiu o financiamento de grandes déficits comerciais e de serviços através da manutenção de juros elevados, parcialmente compensados pelas privatizações e pelo aumento da carga tributária. Nesse contexto, o Brasil continuará exposto às recorrentes turbulências internacionais, até que volte a ser a bola da vez.
Contornar essa situação exige mudar as prioridades da política econômica. É comum destacar que a manutenção da estabilidade depende de o montante de dívida pública não continuar a crescer em relação ao PIB. Assim, a taxa de juros sustentável resulta da combinação da taxa de crescimento econômico com o percentual de superávit fiscal primário em relação ao PIB.
A atual política econômica adota a hipótese de que a obtenção de elevados superávits primários é condição suficiente para, em longo prazo, reduzir os juros e permitir a retomada do crescimento. Porém isso não ocorrerá enquanto a vulnerabilidade externa forçar a manutenção de juros altos no curto prazo. Reduzir essa vulnerabilidade exigirá políticas ativas de promoção de exportações e de retomada do desenvolvimento, o que tenderá a reduzir o superávit primário.
Claro que essas políticas necessitam de planejamento e controles que evitem os erros do passado. Essa é, sem dúvida, uma tarefa mais complexa do que a obtenção de superávits primários. Mas encarar esse desafio é fundamental para aqueles que não acreditam que a função precípua do Estado contemporâneo seja garantir o pagamento dos credores.


Eriksom Teixeira Lima, 45, economista, é diretor do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro. E-mail: eriksom@uol.com.br. Marcelo Trindade Miterhof, 27, é mestre em economia pela Unicamp. Foi editorialista da Folha.

E-mail: marcelomiterhof@uol.com.br



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