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GABRIELA WOLTHERS
Máquina de facínoras
RIO DE JANEIRO - Com o nível de violência que assombra o Brasil,
muitas pessoas ditas "de bem"
acham até positivo 30 presos terem
morrido na rebelião da Casa de Custódia de Benfica, no Rio. "Trinta
bandidos a menos" é o resumo desse
pensamento. O meu raciocínio é o
oposto -existem hoje bandidos mais
perigosos do que havia no sábado,
quando a rebelião teve início.
As casas de custódia deveriam abrigar presos que ainda não foram julgados. Depois de condenados, eles seriam encaminhados a presídios. Mas,
como bem se sabe, o sistema carcerário é um caos tamanho, no qual se
misturam presos condenados com
aqueles que a Justiça nem decidiu se
são culpados ou não.
Quando a rebelião estourou, havia
869 presos em Benfica. Um grupo liderou a barbárie, matando, mutilando e degolando outros detentos. Até
concordo que esses presos já se tornaram seres desprovidos de qualquer
resquício de humanidade e devem
permanecer afastados do convívio
em sociedade.
Mas na mesma prisão estava Leonardo dos Santos Oliveira, um dos
mortos na rebelião. Como a Folha
mostrou, ele havia sido condenado a
dois anos e quatro meses de prisão
por tentativa de furto, crime no qual
não há emprego de violência.
Como 30 morreram e outros tanto
ficaram feridos, sobraram uns 820.
Muitos, os tais seres irracionais. Mas
muitos são também outros Leonardos. Gente que foi parar na prisão por
crimes menores, muitos ainda nem
julgados, e que é obrigada a se deparar com "o inferno na Terra", como
qualificaram os que tiveram acesso à
casa de custódia após a rebelião.
Em que terão se transformados esses Leonardos depois de tudo o que
viram? É possível acreditar que a vida em sociedade seja feita de regras
que devem ser obedecidas após ver
pessoas sendo degoladas? Depois de
passar 61 horas de terror puro? Muitos se perguntam o que têm a ver com
isso. Os presos que se lasquem. Esquecem-se que, por terem cometidos crimes leves, eles logo estarão nas ruas.
Bem piores do que antes.
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