São Paulo, sexta-feira, 04 de junho de 2004

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GABRIELA WOLTHERS

Máquina de facínoras

RIO DE JANEIRO - Com o nível de violência que assombra o Brasil, muitas pessoas ditas "de bem" acham até positivo 30 presos terem morrido na rebelião da Casa de Custódia de Benfica, no Rio. "Trinta bandidos a menos" é o resumo desse pensamento. O meu raciocínio é o oposto -existem hoje bandidos mais perigosos do que havia no sábado, quando a rebelião teve início.
As casas de custódia deveriam abrigar presos que ainda não foram julgados. Depois de condenados, eles seriam encaminhados a presídios. Mas, como bem se sabe, o sistema carcerário é um caos tamanho, no qual se misturam presos condenados com aqueles que a Justiça nem decidiu se são culpados ou não.
Quando a rebelião estourou, havia 869 presos em Benfica. Um grupo liderou a barbárie, matando, mutilando e degolando outros detentos. Até concordo que esses presos já se tornaram seres desprovidos de qualquer resquício de humanidade e devem permanecer afastados do convívio em sociedade.
Mas na mesma prisão estava Leonardo dos Santos Oliveira, um dos mortos na rebelião. Como a Folha mostrou, ele havia sido condenado a dois anos e quatro meses de prisão por tentativa de furto, crime no qual não há emprego de violência.
Como 30 morreram e outros tanto ficaram feridos, sobraram uns 820. Muitos, os tais seres irracionais. Mas muitos são também outros Leonardos. Gente que foi parar na prisão por crimes menores, muitos ainda nem julgados, e que é obrigada a se deparar com "o inferno na Terra", como qualificaram os que tiveram acesso à casa de custódia após a rebelião.
Em que terão se transformados esses Leonardos depois de tudo o que viram? É possível acreditar que a vida em sociedade seja feita de regras que devem ser obedecidas após ver pessoas sendo degoladas? Depois de passar 61 horas de terror puro? Muitos se perguntam o que têm a ver com isso. Os presos que se lasquem. Esquecem-se que, por terem cometidos crimes leves, eles logo estarão nas ruas. Bem piores do que antes.


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