|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Almoço de trabalho
RIO DE JANEIRO - Por obra e desgraça de um amigo, fui convidado a
uma façanha que sempre evitei: um
almoço de trabalho. Já ouvi falar em
café da manhã igualmente de trabalho, como sempre ouvi falar de disco-voador e de mula-sem-cabeça.
Pessoalmente, continuo não acreditando nessas entidades, mas não poderia evitar o pedido do amigo, interessado numa campanha contra o
câncer e que conseguira convencer
uns empresários a comprar equipamentos de última geração para um
dos hospitais da cidade.
A causa pareceu-me nobre e lá fui
ao tal almoço de trabalho e, por Júpiter!, no restaurante escolhido, todos
estavam almoçando e trabalhando.
Na mesa mais próxima, o assunto era
a transposição do rio São Francisco.
Em outra, o financiamento de uma
estatal para o desfile da Mangueira
no próximo ano. Nas mesa mais nobre, junto a uma varanda panorâmica, o trabalho e o almoço eram de desagravo a um funcionário de segundo escalão que estava sendo acusado
de ter contas bancárias num paraíso
fiscal.
Todos estávamos trabalhando,
cumprindo aquela maldição que o
Senhor atirou a nosso pai Adão, expulsando-o de outro paraíso que nem
chegava a ser fiscal: "Comerás o pão
com o suor de seu rosto!".
Estava eu ali, cumprindo a maldição bíblica, comendo e trabalhando,
só não estava suando porque a temperatura aqui no Rio anda amena e
o ar refrigerado do restaurante estava fortíssimo.
No final dos trabalhos e do cafezinho, descobri que tinha conhecidos
em diversas mesas e fiquei sabendo o
resultado de tanta e tamanha faina.
A escola de samba ameaça não desfilar se a estatal não soltar a grana. O
rio São Francisco continuará rolando
em direção ao oceano, no traçado
que Deus lhe deu quando separou a
terra das águas.
O fotógrafo de uma revista de amenidades bateu uma foto da enorme
mesa que desagravava o investidor
no tal paraíso fiscal. E o equipamento
de última geração ficou para ser decidido num próximo almoço de trabalho, ao qual não saberei se estarei em condições de participar.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Luta inglória Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: A grande troca Índice
|