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JOSÉ SARNEY
Do cacete à urna eletrônica"Quem inventou eleição está no céu", era assim que meu
avô Assuéro Ferreira, retirante da seca
de 1921, quando chegou ao Maranhão,
definia a guerra dos candidatos. Perguntei-lhe: "Por que no céu?" "Porque
pagou todos os seus pecados aqui na
Terra", respondia ele.
Roosevelt, o Franklin Delano, disse
em sua eleição de 1940 que muitos não
se incomodavam "pela democracia,
mas com a democracia", aludindo
àqueles que julgavam esse sistema
complicado, trabalhoso e ilegítimo
por causa da manipulação dos partidos, da coação do governo e do poder
econômico. Foi em face dessas vulnerabilidades que Churchill definiu: "O
sistema democrático era o pior do
mundo; simplesmente não tínhamos
um melhor".
João Lisboa, o grande historiador
brasileiro, em sua obra monumental,
o "Jornal de Timon", muito tratou de
eleições, começando pelas eleições na
Antiguidade até o sistema eleitoral do
Império, das eleições a cacete, do voto
censitário até as escolhas e os métodos
de reconhecimento, quando não faltavam as atas falsas e a depuração.
Quando o conselheiro Saraiva promoveu a reforma do sistema eleitoral, todos saudaram os novos tempos como
um tempo de mudanças e de esperança na pureza das eleições.
Com a Velha República, a política
dos governadores de Campos Sales
criou representações legítimas, embora em processo ilegítimo. De um jeito
ou de outro, com sistemas eleitorais
marcados por todas as mazelas, a verdade é que as instituições políticas
brasileiras foram obra dos estadistas e
dos políticos brasileiros que, ao longo
da história, fizeram o país. Com o nome de liberal, civilista, idealista, nefelibata ou utopista, criou-se, sedimentadamente, a consciência do poder civil, do poder político, síntese de todos os
poderes. Até mesmo nos momentos
de interregnos militares, sempre se dizia que as revoluções eram feitas para
aperfeiçoar a "democracia", e nunca
para substituí-la pela ditadura. Não se
discutiam os valores da democracia,
mas a realização imperfeita deles. Paradoxalmente, foi um civil, Getúlio
Vargas, o único que contestou, na onda dos "ismos" dos anos 30, as excelências do regime democrático. As
idéias de Chico Campos e do integralismo chegaram a seduzir Vargas com
um modelo de poder pessoal. A Segunda Guerra Mundial encarregou-se
de convertê-lo.
Como acontece num mundo transformado pela ciência e pela técnica, a
urna eletrônica, o processo informatizado, projeto começado na minha
Presidência com continuidade e sem
interrupções, fez mais pela lisura da
escolha democrática do que todos os
discursos políticos e denúncias do
modelo ao longo do tempo.
Acabou-se aquele tempo em que
Rui Barbosa pregava e denunciava o
"destino do país", "como um peru de
recheio, em dia de bródio, entre amigos de boa chira".
Resta a reforma política. A coragem
de matar o voto proporcional, uninominal, excrescência que não pode
continuar, para avançarmos mais.
Com o sistema de fortalecimento de
partidos, até essa parafernália de números que irão dificultar a cabeça do
eleitor desaparecerá.
Dia de eleição é dia de sonho, dia de
cidadão. Depois caímos "na real", pois
do Real já caímos faz tempo.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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