São Paulo, sexta-feira, 04 de outubro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A volta da esperança
ALAIN TOURAINE
O PT vem se disciplinando há anos e exercendo responsabilidades importantes. Paralelamente, um apoio parlamentar vindo do PSDB e de outras formações é condição indispensável para que Lula possa exercer o poder. O patronato brasileiro apóia um candidato de grande valor, José Serra, economista reconhecido no palco internacional, e, se ele saísse vitorioso, o Brasil não seria exposto a perigo nenhum. Mas o Brasil pode fazer uma escolha que fará dele o líder do grande movimento mundial de rejeição de uma hegemonia americana que já deixou de ser aceitável para grande parte do mundo. O futuro de todos nós depende menos de mudanças na conjuntura econômica do que de nossa capacidade de sermos atores responsáveis por nossa história. Lula tornou-se o símbolo dessa política voluntarista, de um desejo de intervenção democrática e pacífica num mundo submetido há tempo demais a forças impessoais que se preocupam com lucros muito mais do que com o bem-estar e que, em nome do "laissez-faire", negam-se a combater a desigualdade. O mundo está em silêncio há dez anos, não porque o sofrimento e o desespero não sejam audíveis, mas porque as vítimas não dispõem de nenhuma língua e nenhuma organização para se transformarem em atores de sua própria libertação. A culpa é, em parte, dos que ainda falam uma língua que mais ninguém entende, quer sejam políticos, sindicalistas ou intelectuais, e, de outra parte, dos que despejam sobre nós o otimismo estúpido da publicidade. Ninguém espera que o Brasil invente uma nova linguagem, mas começamos a ter a esperança de que ele rompa o silêncio opressor, que faça ouvir as vozes tão próximas daqueles que os poderosos nos querem fazer crer que estejam distantes, que sejam estrangeiros, marginais. Se as instituições e as práticas não se transformarem, e rapidamente, essas vozes irão desaparecer rapidamente numa catástrofe. O Brasil pode, pelo contrário, falar a língua da esperança ao mesmo tempo que fala a da responsabilidade. Nem ele nem nenhum outro país precisa de uma erupção vulcânica ou de uma tempestade atravessada por raios e trovões. Ele precisa de palavras claramente pronunciadas e de projetos elaborados que permitam a todos os cidadãos passar por um novo aprendizado da esperança. A partir de hoje os brasileiros podem construir uma síntese da modernização que vem sendo desenvolvida desde o êxito do Plano Real e de um espírito de justiça social que não pode mais suportar os custos da desigualdade. Assim, o que está em jogo nesta eleição vai muito além do futuro político do Brasil. Trata-se, sobretudo, de escolher entre o silêncio dos sem esperança e a palavra daqueles que têm consciência da urgência das transformações que precisam ser empreendidas, ao mesmo tempo em que aceitam a prudência com que devem ser conduzidas, para que os brasileiros e os cidadãos de muitos outros países do mundo possam voltar a acreditar em sua capacidade de compreender sua situação e transformá-la. Alain Touraine, sociólogo, é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Tradução de Clara Allain
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