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TENDÊNCIAS/DEBATES
Lembremos Mário Covas
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO
Há dois anos São Paulo e o Brasil
perdiam um dos seus maiores estadistas. Lembrar Mário Covas hoje,
além da justiça em homenagear um
grande líder de nossos tempos, continua a ser importante como referência
para os rumos de nosso país.
O governo Lula acaba de, pela segunda vez em menos de 50 dias de governo,
aumentar a taxa de juros dos títulos públicos, a Selic. A justificativa para a elevação foi a trajetória, não bem comportada, da inflação no Brasil. Afirmou-se
que, com a continuidade dessa trajetória, a inflação superaria a meta de 8,5%
fixada para este ano.
Essa decisão foi recebida por críticas
de diversos setores, se bem que alguns a
consideraram necessária e correta. É
certo que existe, que voltou, a ameaça
de descontrole inflacionário e que os índices de preços divulgados estão acima
do esperado. É certo também que não
podemos regredir e voltar aos tempos
da superinflação brasileira. Não podemos permitir a volta desse descontrole.
Política monetária restritiva, ou seja,
aumento de taxas de juros, é um instrumento que se, por um lado, tem efeitos
positivos para o combate à inflação,
pois reduz a demanda agregada, por outro lado -e exatamente por reduzir a
demanda agregada- tem efeitos perversos sobre o emprego, sobre a renda e
sobre o crescimento. Lembrando a importância que foi dada ao emprego e ao
crescimento na campanha eleitoral, a
questão que se coloca é: Será este o único remédio disponível?
Sem aprofundar a teoria econômica,
sabe-se que os principais instrumentos
à disposição do governo para calibrar a
demanda agregada, e assim estabilizar
renda, emprego e preços, são a política
monetária e a política fiscal. Em grande
parte, os elevados juros que vigoram no
Brasil têm muito a ver com o frágil
"equilíbrio" fiscal do governo federal,
seus déficits potenciais e o receio de um
crescimento explosivo de sua dívida, ou
da relação entre dívida e PIB.
Convém lembrar que o chamado superávit primário exclui o pagamento de
juros e o refinanciamento da dívida pública, que são também obrigações financeiras do governo federal. Se incluirmos apenas o pagamento de juros e
encargos, os badalados 2,45% de superávit se transformam em um déficit (necessidade de financiamento) de mais de
5%. E ainda falta a amortização ou o refinanciamento da dívida pública. Em
suma, a situação fiscal federal não é nada confortável.
Esses fatos fazem-me lembrar a administração de Mário Covas no governo
do Estado de São Paulo.
Quando Covas assumiu o governo,
em 1995, a situação financeira do Estado
de São Paulo também não era, para dizer o mínimo, nem um pouco confortável. Mas ele teve a visão de estadista e a
coragem cívica de "meter a mão na
massa" e comandou, diretamente, um
enorme esforço de ajuste fiscal. Não teve medo de contrariar fortes interesses,
de tomar medidas impopulares. E fez isso desde o primeiro dia de seu governo,
não esmorecendo com as dificuldades,
críticas e incompreensões.
Tendo tido a honra de, como secretário de Economia e Planejamento, ter
participado desse grande esforço, é meu
dever frisar que Covas teve, na época,
em Geraldo Alckmin, um grande colaborador, que, agora como governador,
mantém a austeridade fiscal em São
Paulo.
Esse ajuste fiscal deveria, como na gestão
de Covas, ter se iniciado no primeiro dia do governo
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O Brasil está precisando de um choque fiscal no estilo Mário Covas. Só com
um efetivo ajuste fiscal será possível, simultaneamente, combater a inflação e
reduzir os juros. É quase impossível, na
atual situação fiscal brasileira, confiar
apenas na política monetária e no aumento de juros para controlar a inflação. Enquanto o lado fiscal continuar
frágil, teremos juros cada vez maiores e
cada vez com menos efeitos sobre preços e mais efeitos negativos sobre a renda e o emprego.
É fácil ver por quê. O governo, gastando mais do que arrecada -incluindo
juros e amortizações-, tem apenas
duas possibilidades para financiar esse
déficit: ou emite moeda, gerando mais
pressão inflacionária, ou emite títulos,
aumentando as taxas de juros. Não há
ministro da Fazenda ou presidente do
Banco Central, por mais competente e
imaginativo que possa ser, que consiga
reverter tal situação.
Esse ajuste fiscal deveria, como na
gestão de Covas, ter se iniciado no primeiro dia do governo. Para poder enfrentar as resistências que certamente
virão, é preciso usar o cacife eleitoral
conseguido nas urnas. Já perdemos
quase dois meses, mas ainda é possível
recuperar esse tempo. A popularidade
do presidente continua bastante alta e a
realidade tem mostrado a premência do
ajuste fiscal.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
em homenagem aos dois anos da morte
de Mário Covas, assuma a liderança e
promova o choque fiscal de que o Brasil
precisa para se libertar da verdadeira armadilha que foi criada com a política de juros altos -e põe altos nisso.
André Franco Montoro Filho, 59, economista,
doutor pela Universidade Yale (EUA), é professor
titular da Faculdade de Economia e Administração da USP. Foi secretário de Economia e Planejamento do Estado de São Paulo (gestões Mário
Covas e Geraldo Alckmin).
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