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São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Confissões

RIO DE JANEIRO - Usava barbicha grisalha, quase branca, o que lhe valera o apelido de Monsenhor Bodaico, embora não se parecesse com um bode, mas um pouco com Sigmund Freud e outros embarbichados.
Nunca soube seu nome completo, era o monsenhor Belezza, com dois zês. Tinha um passado glorioso, mas indefinido, na África, onde fora missionário. Já perto dos 50 anos, decidiu abandonar o clero secular e entrar para a Ordem dos Servos de Maria, com direito a acrescentar ao seu nome as iniciais OSM. E a conservar o título de monsenhor, raro num membro do clero regular, que geralmente é frade para toda a vida.
Falava baixinho. Foi a ele que, mal entrado nos sete anos, confessei meus pecados pela primeira vez, quando fiz a primeira comunhão. Havia duas opções para os meninos que se candidatavam àquilo que chamavam de "banquete celestial". Ambos eram servitas, mas o outro chamava-se frei Ugo Phoda, assim mesmo, era italiano e temperamental. Mais tarde conheci-o bem, foi professor de meu irmão num colégio da Tijuca
Preferi monsenhor Belezza porque sua barbicha me infundia um baita respeito e, sobretudo, porque falava baixinho. Lembro o frade alemão que, em turma anterior, ao ouvir a confissão de um colega, perguntou em voz alta, com forte sotaque tedesco: "E o menina ainda tem muitos dessas figurrrinhas?"."
Não queria passar por vexame igual, preferi confessar meus pecados a Deus e ao monsenhor Belezza. Ele ouviu-me com atenção, botou um lenço no rosto, não sei se para impedir uma posterior identificação do penitente ou para cochilar. De qualquer forma, em nome do Todo-Poderoso, perdoou meus pecados.
E aí está o problema que me ficou para o resto da vida: que pecados seriam esses de um menino de sete anos? Muitos, sem dúvida. E hediondos. Sempre achei que é na infância que cometemos os piores pecados.


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