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CARLOS HEITOR CONY
Confissões
RIO DE JANEIRO - Usava barbicha grisalha, quase branca, o que lhe valera o apelido de Monsenhor Bodaico, embora não se parecesse com um
bode, mas um pouco com Sigmund
Freud e outros embarbichados.
Nunca soube seu nome completo,
era o monsenhor Belezza, com dois
zês. Tinha um passado glorioso, mas
indefinido, na África, onde fora missionário. Já perto dos 50 anos, decidiu abandonar o clero secular e entrar para a Ordem dos Servos de Maria, com direito a acrescentar ao seu
nome as iniciais OSM. E a conservar
o título de monsenhor, raro num
membro do clero regular, que geralmente é frade para toda a vida.
Falava baixinho. Foi a ele que, mal
entrado nos sete anos, confessei meus
pecados pela primeira vez, quando
fiz a primeira comunhão. Havia
duas opções para os meninos que se
candidatavam àquilo que chamavam de "banquete celestial". Ambos
eram servitas, mas o outro chamava-se frei Ugo Phoda, assim mesmo, era
italiano e temperamental. Mais tarde
conheci-o bem, foi professor de meu
irmão num colégio da Tijuca
Preferi monsenhor Belezza porque
sua barbicha me infundia um baita
respeito e, sobretudo, porque falava
baixinho. Lembro o frade alemão
que, em turma anterior, ao ouvir a
confissão de um colega, perguntou
em voz alta, com forte sotaque tedesco: "E o menina ainda tem muitos
dessas figurrrinhas?"."
Não queria passar por vexame
igual, preferi confessar meus pecados
a Deus e ao monsenhor Belezza. Ele
ouviu-me com atenção, botou um
lenço no rosto, não sei se para impedir uma posterior identificação do
penitente ou para cochilar. De qualquer forma, em nome do Todo-Poderoso, perdoou meus pecados.
E aí está o problema que me ficou
para o resto da vida: que pecados seriam esses de um menino de sete
anos? Muitos, sem dúvida. E hediondos. Sempre achei que é na infância
que cometemos os piores pecados.
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