São Paulo, terça, 5 de maio de 1998

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O cirurgião e o presidente

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Imagine o leitor que, na hora de uma cirurgia, o médico lhe diga: "Olha, meu caro, não vou poder usar toda a assepsia necessária".
O que você faz? No mínimo, troca de médico e de hospital. Com a saúde não se brinca, certo?
Com a saúde política de um país tampouco se deveria brincar. Mas o presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de admitir que vem "operando" sem a devida assepsia. Disse também que as conversas com parlamentares nem sempre têm sido regidas pelo interesse público.
Para quem lê regularmente a Folha, não chega a ser uma novidade. Há duas atitudes possíveis a adotar ante a confissão do presidente.
A primeira é a conformista. Dar de ombros e admitir que política, no mundo todo, é mesmo uma coisa meio suja, portanto pouco asséptica. Não deixa de ser verdade.
Nem por isso é a melhor das atitudes. O conformismo é mais que meio caminho andado para que a assepsia seja cada vez mais relaxada e, por extensão, cresçam os riscos para a saúde política do país (de qualquer país).
Aceitá-lo na voz do cirurgião-chefe da República, então, é dar margem para que infecção hospitalar passe a ser rotina.
Uma segunda atitude seria admitir que a negociação política é, não raro, indispensável e, por extensão, aceitar um certo grau de risco nas operações do gênero.
O problema todo, no caso do Brasil, é que FHC "apequenou" a negociação política. Tivesse, em algum momento, de preferência no início do mandato, "peitado" os partidos que o apóiam, não lhes deixaria escolha que não fosse continuar com o governo, por falta absoluta de alternativa, mesmo que pretendesse "operar" sempre com o máximo de assepsia, no sentido político, claro.
PS - A comparação que abre o texto é sugestão de Gilberto Dimenstein. Gostei e encampei.



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