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O cirurgião e o presidente
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - Imagine o leitor que, na
hora de uma cirurgia, o médico lhe diga: "Olha, meu caro, não vou poder
usar toda a assepsia necessária".
O que você faz? No mínimo, troca de
médico e de hospital. Com a saúde
não se brinca, certo?
Com a saúde política de um país
tampouco se deveria brincar. Mas o
presidente Fernando Henrique Cardoso acaba de admitir que vem "operando" sem a devida assepsia. Disse também que as conversas com parlamentares nem sempre têm sido regidas pelo interesse público.
Para quem lê regularmente a Folha,
não chega a ser uma novidade. Há
duas atitudes possíveis a adotar ante
a confissão do presidente.
A primeira é a conformista. Dar de
ombros e admitir que política, no
mundo todo, é mesmo uma coisa meio
suja, portanto pouco asséptica. Não
deixa de ser verdade.
Nem por isso é a melhor das atitudes. O conformismo é mais que meio
caminho andado para que a assepsia
seja cada vez mais relaxada e, por extensão, cresçam os riscos para a saúde
política do país (de qualquer país).
Aceitá-lo na voz do cirurgião-chefe
da República, então, é dar margem
para que infecção hospitalar passe a
ser rotina.
Uma segunda atitude seria admitir
que a negociação política é, não raro,
indispensável e, por extensão, aceitar
um certo grau de risco nas operações
do gênero.
O problema todo, no caso do Brasil,
é que FHC "apequenou" a negociação
política. Tivesse, em algum momento,
de preferência no início do mandato,
"peitado" os partidos que o apóiam,
não lhes deixaria escolha que não fosse continuar com o governo, por falta
absoluta de alternativa, mesmo que
pretendesse "operar" sempre com o
máximo de assepsia, no sentido político, claro.
PS - A comparação que abre o texto
é sugestão de Gilberto Dimenstein.
Gostei e encampei.
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