São Paulo, sexta-feira, 05 de julho de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Tango e "paredón"

BUENOS AIRES - A Florida, o simpático calçadão do centro de Buenos Aires, está coalhada de gente que compra dólares. São chamados "arbolitos", ou pequenas árvores, por causa da cor verde do dólar.
Competem com os arbolitos os que gritam "cuero", anunciando a infinidade de lojas de artigos de couro que brotou na Florida (ou sou muito distraído, ou não eram tantas).
À memória vem inexoravelmente uma estrofe de "Volver", um dos mais belos tangos argentinos, que diz que "veinte años no es nada".
Faz 19 anos que deixei o posto de correspondente da Folha em Buenos Aires. Então, como agora, os "arbolitos" lá estavam, assim como a dependência argentina dos frutos de seus pampas (o gado, o couro, o trigo).
Nesse intervalo, a Argentina foi à guerra (contra o Reino Unido, pelas Malvinas) -e perdeu. Foi às ruas (contra uma ditadura militar nefanda) -e ganhou. Foi à loucura com todos os planos econômicos que a incompetência humana é capaz de inventar, excetuado o comunismo -e perdeu uma e outra vez.
No percurso, metade da população, pouco mais ou pouco menos, foi atirada à pobreza, o número de desempregados bateu recordes um após o outro e futuro parece ser uma palavra banida do dicionário.
É um pouco o resumo da história da América Latina em geral. Os argentinos apenas vão mais fundo -tanto na repressão política como na luta contra ela, tanto nos planos econômicos como na maneira de trocar de presidente. Fora essa mania de tocar tango também na vida real, o resto é mais ou menos igual.
Talvez por isso fica subindo à cabeça outra música, a estrofe que era cantada pelos jovens nas manifestações contra a ditadura: "Paredón/paredón/para todos los milicos/que hundiéron la nación".
De vez em quando, dá vontade de achar uma boa idéia, desde que se ponham no mesmo saco civis e militares que afundaram nações do rio Grande à Terra do Fogo.


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