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CLÓVIS ROSSI
Tango e "paredón"
BUENOS AIRES - A Florida, o simpático calçadão do centro de Buenos Aires, está coalhada de gente que compra dólares. São chamados "arbolitos", ou pequenas árvores, por causa
da cor verde do dólar.
Competem com os arbolitos os que
gritam "cuero", anunciando a infinidade de lojas de artigos de couro que
brotou na Florida (ou sou muito distraído, ou não eram tantas).
À memória vem inexoravelmente
uma estrofe de "Volver", um dos
mais belos tangos argentinos, que diz
que "veinte años no es nada".
Faz 19 anos que deixei o posto de
correspondente da Folha em Buenos
Aires. Então, como agora, os "arbolitos" lá estavam, assim como a dependência argentina dos frutos de seus
pampas (o gado, o couro, o trigo).
Nesse intervalo, a Argentina foi à
guerra (contra o Reino Unido, pelas
Malvinas) -e perdeu. Foi às ruas
(contra uma ditadura militar nefanda) -e ganhou. Foi à loucura com
todos os planos econômicos que a incompetência humana é capaz de inventar, excetuado o comunismo -e
perdeu uma e outra vez.
No percurso, metade da população,
pouco mais ou pouco menos, foi atirada à pobreza, o número de desempregados bateu recordes um após o
outro e futuro parece ser uma palavra banida do dicionário.
É um pouco o resumo da história
da América Latina em geral. Os argentinos apenas vão mais fundo
-tanto na repressão política como
na luta contra ela, tanto nos planos
econômicos como na maneira de trocar de presidente. Fora essa mania de
tocar tango também na vida real, o
resto é mais ou menos igual.
Talvez por isso fica subindo à cabeça outra música, a estrofe que era
cantada pelos jovens nas manifestações contra a ditadura: "Paredón/paredón/para todos los milicos/que
hundiéron la nación".
De vez em quando, dá vontade de
achar uma boa idéia, desde que se
ponham no mesmo saco civis e militares que afundaram nações do rio
Grande à Terra do Fogo.
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