São Paulo, quinta-feira, 05 de julho de 2007

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Em nome da boa-fé

MARCELO CRIVELLA

Lucas Pacheco, com certeza, não leu minha emenda. Se leu, não a entendeu. Se leu e entendeu, distorceu seu sentido deliberadamente

O SR. Lucas Pacheco, em artigo publicado neste espaço sob o título de "Farinha pouca, meu pirão primeiro" ("Tendências/Debates", 4/7), sustenta que emenda de minha autoria a projeto em tramitação no Senado Federal para aperfeiçoamento da Lei Rouanet, "muito mais do que uma ameaça à produção cultural", tem por trás "a mistificação, o engodo e a má-fé".
Não consigo entender a violência do ataque, a não ser, claro, como compensação pela falta de informação básica para argumentos consistentes. O sr. Lucas Pacheco, com toda a certeza, não leu minha emenda. Se leu, não a entendeu. Se a leu e entendeu, distorceu deliberadamente seu sentido de forma a manipular a opinião pública segundo seus preconceitos e interesses.
Minha intenção é tão-somente assegurar a possibilidade de recursos incentivados para a restauração e conservação de templos históricos, autênticas manifestações da cultura do nosso povo, que sejam reconhecidos como patrimônio histórico e cultural brasileiro. Não há, pois, a mais remota hipótese de que tais recursos venham a ser usados para a construção de templos novos e para o pagamento de pastores, como afirma de forma irresponsável e leviana o sr. Pacheco.
Meu propósito na elaboração dessa emenda foi de cunho essencialmente cultural. Há múltiplas igrejas católicas, presbiterianas, metodistas, congregacionais e batistas que são igrejas históricas que precisam de restauração, sob risco de desabamento. Muitas não têm equipamentos elementares de segurança, o que as sujeita ao roubo e à depredação. Veja-se o exemplo das esculturas dos 12 profetas de Aleijadinho, em Congonhas do Campo (Minas Gerais).
Não entendo como, a pretexto de defender a classe artística, alguém se arvora em detrator de uma iniciativa que protege a fundo os interesses genuinamente culturais do país, como se manifestação de arte religiosa não fosse cultura.
Também foi minha intenção estimular a desconcentração dos recursos da Lei Rouanet no Sudeste do país. Agora mesmo, o Tribunal de Contas da União acaba de divulgar o relatório sobre as contas do governo, exercício de 2006, no qual aponta elevada concentração dos recursos da Lei Rouanet nessa região, com mais de 70% do total de R$ 853,5 milhões captados para atender 2.821 projetos.
O relatório do TCU chama a atenção também para o fato de que somente 16% dos recursos são objeto de financiamento privado. A maior parte vem das empresas estatais. Portanto, há grande potencial de captação de novos recursos da iniciativa privada.
Além disso, é um engano supor que o incentivo pela Lei Rouanet à conservação de templos históricos poderá tirar recursos que seriam aplicados no cinema e no audiovisual em geral -o que parece ser o centro da preocupação de um grupo de artistas, infelizmente mal informados.
São formas absolutamente diferentes de incentivo e patrocínio. A restauração de uma igreja não "compete" de forma alguma com o financiamento de um filme, já que as motivações do patrocinador são de natureza totalmente diferente. O empresário que quiser investir em cultura religiosa pode não ter o mesmo desejo de fazê-lo em outros tipos de projetos culturais. Portanto, é uma falácia, apressada e desinformada, essa história de que planejo tirar dinheiro da cultura.
É importante assinalar que, independentemente da celeuma gerada por pura desinformação, o projeto foi aprovado por unanimidade na Comissão de Educação do Senado Federal. Será que todos os senadores e suas assessorias que examinaram, votaram e aprovaram a matéria também agiram com má-fé?
Ao contrário, houve uma discussão serena do projeto, à margem de pressões corporativas, recobrindo interesses menores de um pequeno grupo, que pretende se impor exclusivamente pela verbalização exacerbada e pelos insultos -como é o caso do sr. Lucas Pacheco.
E de mais a mais, é de esperar que alguém que queira defender a cultura possa fazê-lo de maneira culta, não com ofensas ou injúrias.


MARCELO BEZERRA CRIVELLA, 49, engenheiro civil, mestre pela Universidade de Pretória (África do Sul), é senador da República pelo PRB-RJ, líder de seu partido no Senado Federal e vice-líder do bloco de apoio ao governo. É pastor evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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