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Em nome da boa-fé
MARCELO CRIVELLA
Lucas Pacheco, com certeza, não leu minha emenda. Se leu, não a entendeu. Se leu e entendeu, distorceu seu sentido deliberadamente
O SR. Lucas Pacheco, em artigo
publicado neste espaço sob o
título de "Farinha pouca, meu
pirão primeiro" ("Tendências/Debates", 4/7), sustenta que emenda de
minha autoria a projeto em tramitação no Senado Federal para aperfeiçoamento da Lei Rouanet, "muito
mais do que uma ameaça à produção
cultural", tem por trás "a mistificação,
o engodo e a má-fé".
Não consigo entender a violência
do ataque, a não ser, claro, como compensação pela falta de informação básica para argumentos consistentes.
O sr. Lucas Pacheco, com toda a
certeza, não leu minha emenda. Se
leu, não a entendeu. Se a leu e entendeu, distorceu deliberadamente seu
sentido de forma a manipular a opinião pública segundo seus preconceitos e interesses.
Minha intenção é tão-somente assegurar a possibilidade de recursos
incentivados para a restauração e
conservação de templos históricos,
autênticas manifestações da cultura
do nosso povo, que sejam reconhecidos como patrimônio histórico e cultural brasileiro.
Não há, pois, a mais remota hipótese de que tais recursos venham a ser
usados para a construção de templos
novos e para o pagamento de pastores, como afirma de forma irresponsável e leviana o sr. Pacheco.
Meu propósito na elaboração dessa
emenda foi de cunho essencialmente
cultural. Há múltiplas igrejas católicas, presbiterianas, metodistas, congregacionais e batistas que são igrejas
históricas que precisam de restauração, sob risco de desabamento. Muitas não têm equipamentos elementares de segurança, o que as sujeita ao
roubo e à depredação. Veja-se o
exemplo das esculturas dos 12 profetas de Aleijadinho, em Congonhas do
Campo (Minas Gerais).
Não entendo como, a pretexto de
defender a classe artística, alguém se
arvora em detrator de uma iniciativa
que protege a fundo os interesses genuinamente culturais do país, como
se manifestação de arte religiosa não
fosse cultura.
Também foi minha intenção estimular a desconcentração dos recursos da Lei Rouanet no Sudeste do
país. Agora mesmo, o Tribunal de
Contas da União acaba de divulgar o
relatório sobre as contas do governo,
exercício de 2006, no qual aponta elevada concentração dos recursos da
Lei Rouanet nessa região, com mais
de 70% do total de R$ 853,5 milhões
captados para atender 2.821 projetos.
O relatório do TCU chama a atenção também para o fato de que somente 16% dos recursos são objeto de
financiamento privado. A maior parte
vem das empresas estatais. Portanto,
há grande potencial de captação de
novos recursos da iniciativa privada.
Além disso, é um engano supor que
o incentivo pela Lei Rouanet à conservação de templos históricos poderá tirar recursos que seriam aplicados
no cinema e no audiovisual em geral
-o que parece ser o centro da preocupação de um grupo de artistas, infelizmente mal informados.
São formas absolutamente diferentes de incentivo e patrocínio. A restauração de uma igreja não "compete" de forma alguma com o financiamento de um filme, já que as motivações do patrocinador são de natureza
totalmente diferente. O empresário
que quiser investir em cultura religiosa pode não ter o mesmo desejo de fazê-lo em outros tipos de projetos culturais. Portanto, é uma falácia, apressada e desinformada, essa história de
que planejo tirar dinheiro da cultura.
É importante assinalar que, independentemente da celeuma gerada
por pura desinformação, o projeto foi
aprovado por unanimidade na Comissão de Educação do Senado Federal. Será que todos os senadores e suas
assessorias que examinaram, votaram e aprovaram a matéria também
agiram com má-fé?
Ao contrário, houve uma discussão
serena do projeto, à margem de pressões corporativas, recobrindo interesses menores de um pequeno grupo, que pretende se impor exclusivamente pela verbalização exacerbada e
pelos insultos -como é o caso do sr.
Lucas Pacheco.
E de mais a mais, é de esperar que
alguém que queira defender a cultura
possa fazê-lo de maneira culta, não
com ofensas ou injúrias.
MARCELO BEZERRA CRIVELLA, 49, engenheiro civil,
mestre pela Universidade de Pretória (África do Sul), é senador da República pelo PRB-RJ, líder de seu partido no Senado Federal e vice-líder do bloco de apoio ao governo. É pastor evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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