São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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SEQUESTRO DE VOTOS

As consequências da votação recorde para deputado federal do médico Enéas Carneiro (Prona) apontam para uma falha do sistema político brasileiro. Não se trata de questionar a legitimidade da eleição de um deputado a quem foram atribuídos 275 sufrágios, na esteira do 1,5 milhão recebido por Enéas.
Numa democracia representativa, faz sentido que os escrutínios das eleições proporcionais sejam computados para o partido. Com isso, define-se a quantas cadeiras cada partido ou coligação terá direito, seja na Câmara Municipal, seja na Assembléia Legislativa, seja na Câmara dos Deputados. Para saber os nomes dos ocupantes dessas cadeiras é que se recorre à votação individual. Se o partido A conquistou sete assentos, estarão eleitos os sete candidatos pelo partido A mais votados.
É fato corriqueiro que um deputado seja eleito com menos votos do que seria necessário para conquistar um assento se, por hipótese, ele fosse o único de seu partido a disputar o cargo. Dos 513 deputados federais eleitos em outubro, apenas 33 (6%) obtiveram votação individual suficiente para eleger-se; 480 precisaram dos votos atribuídos a outros candidatos e à legenda de seu partido.
O problema surge quando se nota que toda essa força que os partidos detêm na eleição se esvanece no exercício do mandato. Os eleitos são livres para trocar de legenda. O partido, fundamental para a eleição da grande maioria, não preserva nenhum poder sobre o mandato parlamentar. O deputado eleito com 275 votos conservará o cargo mesmo se abandonar o Prona, que lhe conferiu um mandato para o qual não se elegeria sozinho nem se a sua votação fosse multiplicada por mil.
Aprovar um mecanismo que garanta a continuidade do poder do partido sobre o mandato parlamentar para além das eleições é, portanto, corrigir uma das mais graves distorções do sistema político brasileiro. A infidelidade partidária estaria, assim, com os dias contados.


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