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CARLOS HEITOR CONY
O poder embeleza?
RIO DE JANEIRO - Deus é testemunha de que nada tenho contra os intelectuais, embora me recuse a ser
um deles. Para todos os efeitos, sou
um profissional, bom, mau, talvez
mais ou menos, não passo disso. Não
sei consertar torneiras, fazer instalações elétricas, vender terrenos a prestação, nem mesmo plantar batatas
-apesar de frequentemente me
aconselharem a isso. Faço o que posso. Um defeito físico me obrigou a escrever antes de aprender a falar.
Procuro entender os intelectuais,
que, de certa forma, são também operários. Já li e ouvi teorias e palpites
sobre as relações dos intelectuais com
o poder. Mas, sinceramente, não gosto quando vejo intelectuais, gente de
peso, gente que eu admiro e respeito,
cercando autoridades, levando-lhes
apoio, solidariedade, todos mais ou
menos dispostos a colaborar para o
que consideram "bem público".
Fiquei estarrecido quando um vizinho, que se mudou do Rio para Brasília, garantiu-me que "o poder embeleza". Era empreiteiro e, se não ficou mais belo, pelo menos ficou mais
rico.
Já o intelectual não tem a necessidade de ficar mais belo e, se ficar
mais rico, tanto melhor, mas não é
obrigação dele. Evidente que ele tem
o direito e até mesmo o dever de ter
uma opinião, de ser contra ou a favor
disso ou daquilo. Mas de forma institucional, em nível apartidário, e, sobretudo, sem comprometimento oficial.
Quando Malraux aceitou ser ministro de De Gaulle, eu senti um frio
na alma -como naquele bolero homônimo. O autor de "A Condição
Humana" chegou ao poder, mandou
limpar a fachada da Notre Dame e
mudou a decoração de algumas estações do metrô parisiense.
Enquanto isso, Sartre subia nos capôs dos carros e nos caixotes de frutas
para continuar vendendo suas idéias
-fossem elas boas ou más. Sartre era
feio, mesmo assim, recusou-se a se
embelezar com o poder. Malraux era
bem mais bonito. Ficou mais feio depois do poder.
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