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Tromba-d'água
ELIANE CANTANHÊDE
Brasília - Zezé é uma secretária eficiente e discreta. Trabalha há anos na
Casa Civil da Presidência da República e passou por vários chefes. Conhece
muitos segredos de governo, mas nunca abre a boca para falar sobre eles.
Na segunda-feira, o seu novo chefe,
Pedro Parente, pediu-lhe para descobrir o nome e o telefone do prefeito de
Itajubá, cidade do sul de Minas castigada pelas enchentes.
O nome foi fácil: Francisco Marques
Ribeiro. O problema era encontrá-lo.
Os telefones de Itajubá estavam mudos e já passava das 20h. Até que Zezé
teve um estalo. Pediu o celular do prefeito para o ex-chefe Henrique Hargreaves, hoje na Casa Civil do governador Itamar Franco.
Além de não dar o número, Hargreaves roubou a idéia de prestar solidariedade. Quando Parente finalmente ligou, a mulher do prefeito deu
um grito: "Chico, agora é da Presidência!" Ao atender, ele explicou: "O Hargreaves já ligou".
A história poderia ser apenas engraçada, mais uma entre tantas outras de
políticos, politicagens e disputas de poder. Mas é bastante provável que as vítimas das enchentes, que perderam fogões, geladeiras, casas e até parentes,
não achem graça nenhuma.
Na disputa por Minas e pelas vítimas, FHC não mediu esforços: fez o piloto do helicóptero Puma pousar em
Itajubá de qualquer jeito, visitou casas
alagadas, andou na lama. Ganhou
longe de Itamar e Hargreaves.
Por pouco, Itamar não repetiu o erro
do antecessor Eduardo Azeredo, que
passeava na Europa enquanto Minas
afundava nas enchentes de 1997. O
atual governador também demorou a
perceber a dimensão da tragédia e todo o tempo comeu poeira de FHC. Por
fim, acusou a viagem do presidente de
demagógica, mas repetiu a mesma demagogia instalando o governo em
Pouso Alegre -e um dia depois.
Fotografado em mangas de camisa,
cara a cara com a enchente, FHC ganhou essa. De terno e gravata, ilhado
em Belo Horizonte, Itamar comeu
poeira e acusou o golpe. As vítimas?
Continuam apenas vítimas.
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