São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Fanfarrice

BRASÍLIA - A decisão judicial de fotografar e tirar as impressões digitais de americanos que desembarcam no Brasil é quase uma brincadeira, das bem gostosas.
Inócua, porque não leva a nada nem a ninguém. Inútil, porque não há serventia nenhuma nem nas fotos nem nas digitais. E desgastante, porque os policiais e os gringos perdem tempo. Mas o efeito moral é bom.
Afinal, a decisão do governo Bush de exigir uma identificação mais "sofisticada" de estrangeiros que precisam de visto -caso dos brasileiros- é igualmente inócua, inútil e desgastante. É assim que eles vão evitar atentados? Os brasileiros têm tradição de jogar bombas nos outros? Ou a medida não é contra o terrorismo, mas, sim, contra a imigração?
Nós ficamos de alma lavada, principalmente os que já passamos horas em aeroportos americanos, onde há uma visível diferença de tratamento entre estrangeiros de países ricos e pobres -como os latino-americanos.
O governo Lula está numa boa, dizendo que não tem nada com isso. Trata-se de uma decisão judicial, e decisão judicial cumpre-se, ponto. Um ou outro alto funcionário tem até tido compaixão dos americanos, coitados, naquelas filas horrorosas, sujando os dedões. Mas, no íntimo, e principalmente no Itamaraty e em setores do Planalto, há gente adorando a história e querendo dar um beijo na testa do juiz. Até porque a base de tudo é o princípio da soberania e da reciprocidade entre os países.
Apesar de tudo isso, essa sensação de alma lavada é passional e passa. Essa chatice contra cidadãos americanos não pode durar muito, porque a PF nem tem onde meter tanta foto de caras e dedos e porque a decisão pode estar mirando no governo Bush e acertando no alvo errado: americanos que gostam do Brasil ou têm curiosidade, parentes, amigos ou negócios no país. E que (como chute) podem nem gostar muito de Bush.
Enfim, a brincadeira é até bem legal e a torcida adora, mas chega uma hora em que cansa. É preciso jogar a sério -e em outros campos.


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