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TENDÊNCIAS/DEBATES
As mulheres contra a violência
ROSISKA DARCY DE OLIVEIRA
Vamos hoje inverter os termos,
mudar de assunto. Não falar, por
um momento, da onipresente violência
contra as mulheres. Agora é hora das
mulheres contra a violência.
Cresce, no Brasil inteiro, o desespero
com a insegurança. Não é justo que os
cidadãos de um país que se pretende democrático tenham medo de ir até a esquina comprar pão para o jantar. Ou, se
forem, que olhem para cada passante
como um possível assaltante. Não é justo que as mães durmam pensando nas
drogas que são oferecidas a torto e a direito a seus filhos adolescentes.
Não é justo que policiais armados e
fardados assaltem gente pobre que, na
fila do ônibus, tenta voltar para casa depois do trabalho. Não é justo que, por isso, todos os policiais sejam chamados
de bandidos e que todos os bandidos se
comportem como policiais, fazendo e
impondo as suas leis arbitrárias e ilegítimas. Não é justo que os responsáveis
pela segurança dos cidadãos nos deixem sem respostas enquanto aumenta o
pânico, a sensação de abandono e a paranóia dos encurralados sem socorro.
O que acontece no Brasil é gravíssimo.
Talvez mais graves sejam os efeitos secundários desse desespero. A incompetência e a lerdeza em apresentar algum
resultado começam a minar a confiança
não mais nos homens, mas nas instituições. Não é justo que nos façam duvidar
de instituições pelas quais alguns deram
a vida e outros, a juventude. A sensação
de que não há solução leva às ruas um
clima de vale-tudo, de salve-se quem
puder. Isso não é a imagem de uma sociedade organizada e desorganiza os espíritos individualmente.
Os cidadãos já fizeram tudo o que podiam. Já não sei quantas vezes, no Rio,
saímos às ruas, abraçamos lagoas e
praias, abraçamo-nos, para nos dar
apoio e coragem e entregamos armas.
Ainda há poucos dias, no sambódromo,
lenços brancos pediam paz.
Infelizmente a segurança é uma área
que, em última análise, depende do Estado. O monopólio da violência é uma
das características do Estado, assim como o é o controle da moeda. Não se
imagina cada um imprimindo a sua
moeda porque falsários decidiram fazer
várias, cada uma a seu gosto.
Não é verdade que não há nada a fazer. É que se faz errado. Ou não se faz,
por desleixo ou por incapacidade de enfrentar a corrupção. É preciso que os
responsáveis pela segurança pública entendam de uma vez por todas que é a
eles que cabe encontrar uma solução.
A nós, os cidadãos que não têm a pretensão de ser ministro de Estado, governador ou chefe de polícia, compete exigir soluções críveis, visíveis no dia-a-dia. Não adianta perguntar a cada um
que protesta o que acha que deve ser feito. Há algo a ser feito já: dar, na agenda
política brasileira, ao problema da segurança, a prioridade que ele tem, os recursos indispensáveis e gente competente para geri-los.
Ninguém imagina os responsáveis pela saúde confessando a sua impotência
diante de um problema dificílimo e grave como o controle da epidemia de
Aids. Governo e sociedade não cruzaram os braços. Congresso e Judiciário
fizeram as suas partes. Os recursos apareceram. Os resultados estão aí e são reconhecidos por todos. Houve determinação de agir e política de governo.
Já há suficientes mortos e feridos, vítimas da violência, que se apresenta epidêmica. Cada um teme ser atingido por
ela. E quem ainda não foi vai sendo ferido, indiretamente, na qualidade de sua
humanidade. Gente meiga vira fera,
compra armas e paga polícias privadas.
Mundo afora, as
mulheres vêm tentando
encarnar os movimentos
pela paz; estamos
pedindo satisfações
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Vamos nos transformando no contrário do que queríamos ser. Esse é o maior
dos prejuízos, maior em valor do que o
de qualquer bem que um ladrão pode
roubar. O que se rouba dos brasileiros é
a qualidade da nossa humanidade.
A Justiça não pune; quando pune, a
polícia não prende e, quando prende,
trata os presos como feras ou trafica a
sua liberdade... Quanto mais durar esse
ciclo de violência, corrupção e impunidade, mais longe estaremos da paz.
Temos de romper o estranho e generalizado sentimento de paralisia e impotência diante do problema da violência. É preciso não nos habituarmos ao
intolerável. É preciso que tudo isso seja
o nosso pesadelo, e não a realidade, o
pão nosso de cada dia, que o diabo
amassou e que o telejornal nos serve.
Mundo afora, as mulheres vêm tentando encarnar os movimentos pela
paz. O primeiro passo é, sempre, a quebra da indiferença, a inconformidade
com um estado de coisas iníquo.
Em breve estará entre nós um homem
que mereceu o Prêmio Nobel da Paz e
que nada mais faz senão testemunhar
sobre a essência da nossa humanidade.
Para Elie Wiesel, indiferença significa
incapacidade de perceber diferenças,
"estado anormal no qual perde nitidez a
fronteira entre luz e escuridão, alvorada
e crepúsculo, crime e castigo, crueldade
e compaixão, bem e mal".
No Dia Internacional da Mulher, as
mulheres costumam fazer reivindicações. Que o 8 de março deste ano seja a
ocasião do protesto das mulheres contra a violência que a todos atinge. Um
protesto enfático, sem meias palavras. A
indiferença das autoridades é uma forma de violência. Estamos pedindo satisfações. Estamos cobrando o direito de
viver em paz dentro do nosso país.
Rosiska Darcy de Oliveira, 56, escritora, é presidente do Centro de Liderança da Mulher. Autora,
entre outros, de "A Dama e o Unicórnio" (Rocco).
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