São Paulo, terça-feira, 06 de abril de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Democracia à bomba

BRUXELAS - O "Mena Info", um serviço de informação sobre Oriente Médio e norte da África (Mena é a sigla em inglês para "Middle East and North Africa"), titula um de seus boletins de ontem sobre a crise no Iraque da seguinte forma: "Bombing the arabs into democracy". Em tradução livre, seria algo "bombardeando os árabes rumo à democracia".
É um achado: apesar da crise, o informativo consegue ironizar a maneira (a fogo) como os Estados Unidos pretendem, supostamente, conduzir o mundo árabe à democracia (um dos pretensos objetivos para invadir o Iraque, lembra-se?).
O que causa indignação nessa história toda é que um governo, o de George Walker Bush, que conseguiu fazer tudo errado, do princípio ao fim, ainda é poupado internamente. Primeiro, mentiu sobre a existência das tais armas de destruição em massa, que era o principal argumento para justificar o ataque.
Mentiu de novo ao apontar o Iraque de Saddam Hussein como foco do terrorismo internacional. Saddam era um ditador desprezível, mas não se conseguiu provar nenhum vínculo com o terrorismo.
Depois, Washington desprezou as Nações Unidas, única instituição que poderia dar legalidade e legitimidade à invasão do Iraque.
Por fim, conseguiu atrair a ira da comunidade religiosa, os xiitas iraquianos, que havia sido discriminada e perseguida pelo ditador. A coleção de equívocos e mentiras conseguiu a proeza de pôr contra os EUA até o filho de um aiatolá vítima de Saddam Hussein.
O terrorismo que se pretendia combater primeiro com a invasão do Afeganistão e, depois, com a deposição de Saddam continua vigoroso e semeia sangue e pânico em diferentes países. O Iraque que se pretendia "civilizar" dá, dia a dia, demonstrações de selvageria e contra-selvageria.
É raro encontrar, concentrada em tão pouco tempo, uma tão formidável coleção de erros cometidos por um único líder. O incrível é que o mundo corre o risco de que ele obtenha um segundo mandato.


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