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Barril de pólvora
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Recebo vastíssima
esculhambação de um leitor do Paraná reclamando que não escrevi uma
só linha sobre a ofensiva da Otan na
Iugoslávia. Sim, dou razão ao leitor,
deveria ter comentado alguma coisa,
mas a estupidez humana, da qual as
guerras são fruto, nem me irrita mais.
Apenas me chateia.
Lembro um filme de Billy Wilder
(""Avanti"), uma de suas melhores comédias, embora pouquíssimo badalada. No luxuoso Excelsior, da ilha de
Ischia, um graúdo funcionário do Departamento de Estado vai ajudar um
cidadão americano em dificuldades. O
gerente do hotel, para impedir ou retardar que o cara entre no apartamento onde o americano está com
uma inglesa, pede-lhe um conselho:
""Tenho duas ofertas de trabalho.
Uma, para ser gerente do Hilton de
Damasco. O que o senhor acha?" O
funcionário examina se não está sendo grampeado e informa:
""Com a militarização do Mediterrâneo, a escalada armamentista de Israel, o nacionalismo árabe e os interesses soviéticos na região, aquilo é
um barril de pólvora. Fuja de Damasco! De onde é a outra oferta de trabalho?"
O gerente responde: ""De Nova
York". O funcionário suspira e abaixa
a voz: ""Vá para Damasco!".
Qualquer pessoa minimamente civilizada lamenta a situação nos Bálcãs.
E teme que a mania norte-americana
de ser juiz e polícia do resto do mundo
acabe um dia provocando uma guerra
não localizada. No espaço de poucos
meses, os Estados Unidos reprisaram
as mesmas cenas: bombardeios noturnos, um arsenal formidável para combater tiranos mais ou menos ensandecidos.
Apesar da desproporção militar, os
tiranos continuaram. Uma prova de
que a solução da força, tal como a que
está sendo empregada no Iraque e nos
Bálcãs, revela-se inútil e burra.
Volto ao filme de Billy Wilder. O
barril de pólvora talvez não esteja em
Nova York, mas em Washington.
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