São Paulo, Terça-feira, 06 de Abril de 1999
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Barril de pólvora

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Recebo vastíssima esculhambação de um leitor do Paraná reclamando que não escrevi uma só linha sobre a ofensiva da Otan na Iugoslávia. Sim, dou razão ao leitor, deveria ter comentado alguma coisa, mas a estupidez humana, da qual as guerras são fruto, nem me irrita mais. Apenas me chateia.
Lembro um filme de Billy Wilder (""Avanti"), uma de suas melhores comédias, embora pouquíssimo badalada. No luxuoso Excelsior, da ilha de Ischia, um graúdo funcionário do Departamento de Estado vai ajudar um cidadão americano em dificuldades. O gerente do hotel, para impedir ou retardar que o cara entre no apartamento onde o americano está com uma inglesa, pede-lhe um conselho:
""Tenho duas ofertas de trabalho. Uma, para ser gerente do Hilton de Damasco. O que o senhor acha?" O funcionário examina se não está sendo grampeado e informa:
""Com a militarização do Mediterrâneo, a escalada armamentista de Israel, o nacionalismo árabe e os interesses soviéticos na região, aquilo é um barril de pólvora. Fuja de Damasco! De onde é a outra oferta de trabalho?"
O gerente responde: ""De Nova York". O funcionário suspira e abaixa a voz: ""Vá para Damasco!".
Qualquer pessoa minimamente civilizada lamenta a situação nos Bálcãs. E teme que a mania norte-americana de ser juiz e polícia do resto do mundo acabe um dia provocando uma guerra não localizada. No espaço de poucos meses, os Estados Unidos reprisaram as mesmas cenas: bombardeios noturnos, um arsenal formidável para combater tiranos mais ou menos ensandecidos.
Apesar da desproporção militar, os tiranos continuaram. Uma prova de que a solução da força, tal como a que está sendo empregada no Iraque e nos Bálcãs, revela-se inútil e burra.
Volto ao filme de Billy Wilder. O barril de pólvora talvez não esteja em Nova York, mas em Washington.


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