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São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

MCT, ame-o ou deixe-o

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

Parabéns ao ministro Roberto Amaral. Deu a ordem e um Exército Brancaleone acorreu em sua defesa: o secretário e sua esposa, a filha do ministro, um cientista de prestígio e um porta-voz da representação da Unesco no Brasil. Estou impressionado.
Tudo começou com algumas advertências minhas contidas em artigo denominado "O sucateamento da ciência no Brasil" (Folha, pág. A3, 4/4/03). Nele aponto sobretudo o desmonte da ciência brasileira pelo atual ministro e, de passagem, algumas irregularidades e tráfico de influência na cúpula do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Acuso o secretário-executivo de procurar influir na renovação da bolsa da sua esposa, além de não interromper a sua própria bolsa de produtividade, que é outorgada apenas a pesquisadores atuando em tempo integral. Aliás, proponho agora ao Jurídico do CNPq e ao Ministério Público que o façam devolver o que recebeu como bolsista, enquanto secretário do governo Garotinho. Em resposta a essa minha acusação, o secretário sofisma, pretendendo que o acuso de solicitar nova bolsa (Folha, pág. A3, 22/4/03). Ou não entende português ou se faz de bobo.
O secretário, em seguida, afirma que sou contraditório, pois defendo a concentração de recursos e critico a "hipercentralização" administrativa. Ora, será que não é capaz de distinguir a atividade de pesquisa da gestão de políticas estratégicas para o país? A verba que seria destinada à criação de um Centro Nacional de Nanotecnologia foi pulverizada entre 260 pesquisadores, igualitariamente, democraticamente. Ou seja, 260 pesquisadores vão poder comprar um equipamento novo de pequeno porte. Ótimo. Mas o Brasil não terá seu centro de nanotecnologia e terá avançado muito pouco em um campo industrial que será em breve de excepcional importância econômica. E isso é um crime.
Esse senhor parece pensar que tenho interesse pessoal nas verbas que possam vir do MCT para a ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron). Até hoje não percebeu que sou presidente do Conselho de Administração, tão-somente. Um conselho dessa natureza não tem senão uma função normativa e fiscalizadora. Há uma reunião a cada quatro meses e não há jeton. Nunca, em nenhum momento no passado, usufruí de nenhum beneficio material da ABTLuS. Nas poucas vezes que fui a Brasília para defender os interesses da ABTLuS, paguei de meu próprio bolso as passagens, hotéis e refeições.


A verba que seria destinada à criação de um Centro Nacional de Nanotecnologia foi pulverizada


Informo ainda o secretário de que os salários da ABTLuS são fixados em comparação com os das universidades públicas de São Paulo e aprovados pelo conselho, que tem três representantes do MCT. A razão é simples: em um mercado de trabalho competitivo, para garantir a qualidade dos serviços oferecidos pela associação aos pesquisadores brasileiros é preciso pagar salários razoáveis. Além do mais, esses pesquisadores são contratados pelo regime da CLT, ou seja, não possuem estabilidade nem terão aposentadoria integral -curiosamente, o mesmo modelo que o governo deseja adotar para o serviço público. Somados em sua carreira, os custos de tal pesquisador para o Estado brasileiro ainda são inferiores aos de um pesquisador estável. As organizações sociais já fizeram, no seu espaço institucional, reformas preconizadas pelo presidente Lula.
A insinuação sub-reptícia do prof. Wanderley de Souza de "superfaturamento, como foi apurado no caso do sr. Leite", merece agora um comentário de outra natureza. Ele não pode deixar de saber que no referido processo, que nada tem a ver com a ABTLuS, já transitado em julgado, servi meramente como testemunha. A insinuação feita por ele qualifica o seu caráter. Em dezenas de polêmicas em que me envolvi e críticas que fiz a políticos de governos anteriores, nenhum se rebaixou a tentativas de me calar usando tal tipo de chantagem.
Ainda mais degradante foram suas ameaças de "acabar com o Laboratório de Luz Síncrotron", que fez, sempre covardemente, a terceiros. Ou seja, ele se propõe a destruir um patrimônio nacional por causa de minhas denúncias e por sua ignorância do papel do presidente do Conselho da ABTLuS.
Deve ser ressaltada ainda sua sugestão fascista de que quem discorda da política da atual administração do MCT deve deixá-lo. Deve ser isso que ele chama de democracia.
Enfim, insinua o secretário que desrespeitei as comissões do CNPq quando afirmei que, ao manter sua própria bolsa de produtividade, estaria ele causando-lhes "constrangimentos". Não é verdade que eu tenha falado em "manipulação das comissões". Quem desrespeitou as ditas comissões foi o secretário, que usurpou-lhes as atribuições ao distribuir arbitrariamente, como confessou, auxílios a 260 pesquisadores, esquecendo-se de que os comitês assessores estão adequadamente aparelhados e que ele próprio não tem competência técnica para tal atribuição.
E não há outra explicação para essa irresponsabilidade, volto a afirmar, do que simples e retrógrados demagogia e populismo.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 71, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Editorial da Folha.


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