São Paulo, terça-feira, 06 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Quando o passado constrói o futuro
JOÃO CARLOS MARTINS
Em Pequim, onde toquei o "Concerto para Mão Esquerda" de Ravel, senti uma enorme integração entre o piano e a orquestra. Nas outras cidades, tanto quanto na capital, senti um progresso econômico, social e cultural assustador. No Conservatório Central de Pequim, dei uma "master class" com a presença de jovens e professores ávidos para trocarem informações. Nos teatros, instrumentos excepcionais, acústica perfeita e um público jovem marcando presença. Na China de hoje preserva-se o passado indiscriminadamente. Dezenas de milhares de chineses todos os dias vão à Cidade Proibida e à Grande Muralha para reverenciar as dinastias imperiais que preservaram a unidade chinesa; no túmulo de Mao, a cena se repete em filas quilométricas. Impressiona nessa transformação a convivência de milhões de carros com um número bem maior de bicicletas, em paz e harmonia. Em cada esquina, três ou quatro edifícios enormes são construídos. De manhã à noite, todos trabalhando para construir uma nação. Na última cidade da turnê, Shenzhen, disseram-me que a mesma, 20 anos atrás, era uma vila de pescadores com não mais de 20 mil habitantes. Hoje parece uma Chicago ou Dallas, com cerca de 5 milhões de habitantes. No conservatório local, professores trouxeram alunos de 10 a 12 anos que, tecnicamente, executam grandes obras com uma desenvoltura impressionante. Nessa altura aproveitei para dizer que nós, latinos, precisamos colocar a razão a serviço da emoção, e eles, chineses, a emoção a serviço da razão. Na China trata-se um artista com a mesma reverência que o ocidente o fazia na primeira metade do século 20. Voltando à questão social, meu amigo Roberto Campos dizia que, no comunismo, as intenções são melhores que os resultados, e no capitalismo os resultados são melhores que as intenções. Acrescento que na China, hoje, os resultados são tão bons quanto as intenções. O grupo do instituto governamental de cultura (China Performing Arts Agency) que nos acompanhou elogiou o trabalho brasileiro de combate à Aids. No âmbito da iniciativa privada, o intercâmbio que está sendo realizado e que inclui a exposição "Brasil 500 Anos" também foi muito elogiado. No último dia, contei para o grupo que nos acompanhava uma piada sobre o Conde Drácula. O jovem Hu Song, nosso intérprete oficial, perguntou-me: "Quem é o Conde Drácula?". Respondi-lhe que era uma figura sinistra que, de certa forma, representa o próprio diabo; ao que ele respondeu: "Não entendi". Perguntei-lhe se sabia quem era Deus e ele me respondeu que, apesar de não ir aos templos, sabia quem era Deus e O respeitava muito. Com tranquilidade eu lhe disse que o diabo seria o oposto de Deus"; ao que Hu Song concluiu: "Mas e isso existe?" Será essa a diferença entre a China e o mundo em que vivemos? João Carlos Martins, 62, é pianista. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES José Carlos Carvalho: Educação ambiental Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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