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São Paulo, sábado, 06 de setembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O parto e o aborto

RIO DE JANEIRO - A comparação foi feita pelo próprio. Nos primeiros dias de governo, Lula disse que funcionou normalmente após o casamento, mas teve de esperar nove meses para obter o resultado, que era o seu primeiro rebento. Ora -comentou ele-, se, para uma criança nascer, foi preciso esperar nove meses, para ver o governo produzir rebentos é necessário ter calma e esperar os nove meses regulamentares.
Acontece que, no dia 1º de outubro, o governo estará cumprindo o seu período de gestação e do fecundo ventre de sua administração não há sinais evidentes de parto iminente. Tem-se a impressão de que houve um aborto tardio que interrompeu o processo. Ainda se discute se houve ou não a necessária fecundação.
O nono mês chegou com setembro, e a equipe parece estar nas preliminares, com ameaças de troca dos parceiros pela impotência de alguns e pela incompetência de outros. Em linhas gerais, a máquina reprodutora do governo foi loteada de tal forma que apenas 30% dos cargos estão entregues a técnicos, a profissionais do setor. Os restantes 70% foram partidarizados de forma nunca vista nos anais republicanos. (Estou citando informes recentemente publicados.)
Em crônica anterior, lembrei o exemplo dos franceses, que gostam de levantar sua genealogias. E fiquei sabendo que, mesmo durante a Revolução, durante o Terror, com a guilhotina funcionando sem parar, o registro civil, a máquina do Estado, continuava anotando nascimentos, casamentos e óbitos. O mesmo aconteceu durante a ocupação nazista na Segunda Guerra Mundial.
É evidente que os cargos de primeiro escalão ficaram entregues ao grupo que ocupava o poder, mas a espinha dorsal do Estado continuou na mão dos profissionais, dos funcionários de sempre.
Mesmo sem provocar nenhuma revolução de cunho social ou econômico, o governo politizou a máquina de tal forma que seu ventre ficou estéril.


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