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CARLOS HEITOR CONY
O sonho do beduíno
RIO DE JANEIRO - Nada mais parecido com um sultão de "As Mil e uma
Noites" do que um presidente eleito.
Todas as odaliscas se oferecem para
colaborar, ou seja, para ajudar o sultão a atravessar as tais mil e uma
noites em boa cama e em melhor
companhia.
O problema maior, tanto para o
sultão como para as odaliscas, é que o
sultão é um só e as odaliscas são muitas, muitas e de variados encantos e
propósitos.
Para atingir o patamar de sultão, o
presidente eleito rebolou durante meses. No caso de Lula, rebola há anos,
desde 1989. Não é fácil seduzir um
eleitorado tão grande e tão necessitado. Mas teve a ajuda eficiente de milhares de grão-vizires, de califas locais que apostaram nele e se preparam agora para dividir o festim.
É natural a preocupação, os temores e pressentimentos das odaliscas.
Afinal, mil e uma noites passam depressa e não haverá tempo para todas serem admitidas ao serralho onde são queimados os incensos do poder, ao som das flautas que, nos contos orientais, são sempre maviosas, e
nunca maravilhosas.
Longe do palácio feérico, fosforescente de ouro e mármore, mordendo
sem sabor as tâmaras ressecadas do
deserto, com água incerta no cantil e
um camelo estropiado que nem fica
mais em pé, o beduíno invoca Allah,
Todo-Poderoso, e pede que ele proteja o sultão, proteja os califas e os
grão-vizires, proteja sobretudo as
odaliscas que se aprestam a servir o
novo Pai dos Crentes.
Que Allah Todo-Misericordioso
também não se esqueça dele, beduíno
fatigado e descamelado, coberto de
pó e sede, mal alimentado pelas tâmaras mais amargas do deserto.
E, se o sultão, enfarado, desprezar
alguma odalisca, que Allah Para
Sempre Louvado se lembre dele e, na
impossibilidade de lhe dar mil e uma
noites, ao menos lhe dê uma noite
que valha a pena.
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