São Paulo, quarta-feira, 06 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A síndrome do medo

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Os terroristas islâmicos estão explorando diabolicamente os efeitos do medo para assustar aqueles que elegeram como seus inimigos.
Essa estratégia do medo foi anunciada abertamente pelo líder da seita terrorista Al Qaeda, Bin Laden, no seu famoso manifesto ao povo islâmico, há mais de um ano. Relembremos o teor de sua ameaça:
"Estes acontecimentos (de 11 de setembro de 2001) dividiram o mundo em dois campos, o campo dos fiéis e o campo dos infiéis. A guerra santa -Jihad- é um dever de todos os muçulmanos. Não há desculpas, Deus (Alá) mandou lutar pela sua causa e pelo seu nome. Eu juro por Deus (Alá) que os Estados Unidos não viverão em paz até que a paz reine na Palestina e, antes de tudo, que o Exército dos infiéis deixe as terras de Maomé, que a paz reine sobre ela".
É o que estamos assistindo, grandes e pequenas agressões contra os "infiéis", movidas pelo terrorismo islâmico, praticadas principalmente por uma rede internacional ligada à seita Al Qaeda, liderada por Bin Laden. O inimigo principal são os Estados Unidos e seus aliados, sejam estes europeus, asiáticos ou africanos. A justificativa dessa guerra de atentados, muitas vezes executados por fiéis islâmicos suicidas, é o ódio religioso que encobre ressentimentos culturais e outros interesses dissimulados.
Entre os atentados atribuídos à rede de seitas ligadas à Al Qaeda podemos listar os dois maiores -o ataque às torres do World Trade Center e ao Pentágono (11/9/01) e, o mais recente, a um centro de diversões em Bali, na Indonésia, matando cerca de 200 pessoas e ferindo 300, a maioria turistas atraídos pela chamada "ilha dos deuses".
Entre os atentados de menor extensão e individuais assistimos, entre outros, neste curto período de um ano, às seguintes agressões terroristas:
Vários ataques a militares norte-americanos e ingleses no Afeganistão e no Paquistão; as missivas e pacotes com antraz nos Estados Unidos; a tentativa de explodir uma bomba de sapato no avião de passageiros em vôo com destino aos Estados Unidos; a bomba no petroleiro francês na costa do Iêmen; os ataques de francos-atiradores contra tropas norte-americanas em treinamento no Kuwait; o atirador oculto que vinha matando dia-a-dia e fez mais de uma dezena de vítimas nos arredores de Washington; e os sucessivos ataques terroristas nas Filipinas.


A justificativa dessa guerra de atentados é o ódio religioso que encobre ressentimentos culturais e outros interesses


Não relacionados diretamente à rede Al Qaeda, mas inseridos no mesmo contexto psicológico de submissão pelo terror, tivemos o audacioso sequestro de 700 expectadores de teatro em Moscou, praticado por cerca de 40 guerrilheiros tchetchenos, terminado em horrível mortandade, e temos a infindável e crudelíssima guerra dos palestinos contra Israel.
Essa série de agressões terroristas está provocando, nos países mais visados, o que chamaríamos de "síndrome do medo". Seus efeitos são, além do clima coletivo de tensão, inusitados prejuízos financeiros e econômicos. Basta lembrar os grandes prejuízos causados pelo ataque de 11 de setembro do ano passado, que perduram até hoje, provocados pelo medo de viajar, atingindo brutalmente os setores de turismo, empresas de aviação e outros.
Tomando, por exemplo, apenas a recente explosão de bombas em Bali, os prejuízos causados pelo medo são impressionantes. Essa ilha recebeu, no ano passado, cerca de 1,5 milhão de turistas estrangeiros. Isso representou 9% da renda anual da Indonésia. Para sustentar esse movimento turístico, a cidade possui extensa rede de hotéis, restaurantes, bancos e casas de diversão.
Uma semana após os atentados, todas as reservas nos hotéis haviam sido canceladas, todos os aviões chegaram vazios e regressaram cheios. O fantasma da falência e do desemprego ameaça centenas de milhares de pessoas ligadas à indústria do turismo. Aquela que foi "a ilha dos deuses" está afundando numa catástrofe econômica.
A humanidade não pode ficar submetida às táticas diabólicas de pequenos grupos de insanos terroristas, sejam eles de que índole forem. A guerra total ao terrorismo, anunciada pelo presidente Bush no ano passado, continua patinando no terreno dos resultados duvidosos. Chegou a hora de os governos responsáveis pelo bem estar de seus povos se unirem, pondo de lado antagonismos e rivalidades, criando uma estratégia de defesa conjunta, que assegure a tranquilidade dos que desejam viver sem medo.
Terminamos lembrando as palavras do pensador romano Horacio, nas suas "Epístolas": "Quem vive sob o domínio do medo nunca será livre".


Carlos de Meira Mattos, 89, general reformado do Exército e veterano da Segunda Guerra Mundial, é doutor em ciência política e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Paulo Renato Souza: O crescimento da produção científica

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.