São Paulo, sexta-feira, 06 de dezembro de 2002

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DIREITO DE NÃO VOTAR

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou proposta de emenda constitucional (PEC) que acaba com o voto obrigatório no país. Para valer, a PEC precisa receber os votos de 3/5 dos senadores e 3/5 dos deputados em dois turnos em cada casa. É difícil, portanto, que o voto facultativo venha a ser aprovado sem um acordo entre as principais lideranças do Congresso.
Existem muitos argumentos políticos tanto contra como a favor do voto obrigatório. Mas a proposta de acabar com esse instituto merece apoio por razões filosóficas.
A distinção fundamental foi proposta pelo pensador alemão Immanuel Kant (1724-1804). Numa versão muito simplificada do que afirmou o filósofo de Königsberg, há duas formas de cumprir uma regra. Pode-se agir "de acordo com o dever", ou "pelo sentido do dever". O motorista que respeita a velocidade máxima de uma estrada por medo de receber uma multa age "de acordo com o dever". Mas um outro motorista pode observar o limite de velocidade por acreditar que ele está de acordo com a racionalidade humana, que proporciona segurança e promove a paz no trânsito, por exemplo. Este age "pelo sentido do dever". Ele é, para Kant, mais livre do que o primeiro.
Ao tornar o voto obrigatório, nós de algum modo reduzimos o grau de liberdade que existe por trás da decisão espontânea do cidadão de ir à seção eleitoral e escolher um candidato. E o eleitor que vota livremente é um eleitor mais autônomo, mais consciente. Seu voto também tende a ser qualitativamente melhor do que o daquele que vai à urna apenas porque a lei exige que ele assim o faça.
O saudável ceticismo recomenda que não se aposte na adoção do voto facultativo no Brasil. Os parlamentares que podem aprovar essa proposta foram eleitos num regime de voto obrigatório, o que já faz com que tendam a mantê-lo. Mas há poucas dúvidas de que, ao menos no plano teórico, o país sairia ganhando com o fim desse anacronismo político.


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