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São Paulo, sábado, 06 de dezembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior é um bom projeto?

NÃO

É preciso amadurecer

EUNICE DURHAM

O MEC acabou de lançar um ambicioso plano de avaliação do ensino superior. Embora apresente avanços em relação às diferentes versões parciais divulgadas até agora, há ainda problemas sérios que precisam ser apontados.
Em primeiro lugar, existe uma confusão entre ensino superior e universidade. As universidades, que são minoria, são definidas pela Constituição como as instituições de ensino superior que associam ensino, pesquisa e extensão, e a LDB determina que possuam pelo menos um terço do corpo docente com tempo integral com titulação de mestre ou doutor. As demais são escolas, faculdades, faculdades integradas ou centros universitários, voltadas só para o ensino. Nestas últimas instituições, a avaliação deve se concentrar na qualidade do ensino de graduação. O mesmo não ocorre com as universidades.
A avaliação institucional não pode, portanto, ser a mesma. Mas a diferenciação dos critérios deve estar associada ao tipo de instituição e às suas funções, e não à localidade na qual estão instaladas, como propõe o projeto. A diferenciação, entretanto, diz basicamente respeito à pesquisa e à pós-graduação, mas não se aplica aos cursos de graduação. A avaliação não pode variar em função do lugar onde o curso funciona ou da instituição que o oferece, mas dos objetivos diferentes que perseguem.
Há também uma confusão entre avaliar cursos e avaliar instituições que caracteriza a proposta de avaliação da responsabilidade social. Certamente, instituições de ensino podem prestar serviços à população e os prestam. Às vezes, esses serviços fazem parte de cursos, como no caso do internato nos últimos anos de medicina. A função básica desse atendimento, entretanto, é formar adequadamente o profissional. O engajamento social não pode ser confundido com a integração entre teoria e prática na formação dos alunos. Uma contribuição fundamental do ensino superior para o país reside na qualidade e relevância da pesquisa que é realizada nas universidades e está associada à pós-graduação. Essa relevância, porém, não pode ser julgada apenas pelo seu valor imediato para a população, mas também por sua contribuição para o desenvolvimento científico, que é essencial ao progresso social e tecnológico.
Embora se possa esperar das universidades que orientem suas pesquisas e sua formação de pessoal para lidar com problemas sociais locais ou nacionais, não cabe às instituições de ensino superior resolvê-los. Isso é de responsabilidade do poder público.
Consideramos um outro aspecto do projeto. Para avaliar uma universidade é necessário avaliar de forma própria, com diferentes instrumentos, a graduação, a pós-graduação, a pesquisa e a extensão. Isso não pode ser feito através de um único relatório a ser preenchido a cada três anos. Trata-se de processos diferentes, que não devem se misturar. Esses diferentes processos de avaliação estão em grande parte já montados e funcionando. A nova proposta do ministério não diz o que se vai fazer com eles. A Capes possui um modelar sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação, incluindo a pesquisa e o ensino.
Na graduação, a avaliação do conteúdo, do currículo, dos laboratórios didáticos disponíveis, da qualificação dos professores já ocorre por ocasião do reconhecimento dos cursos, obrigatório e periódico. Isso é feito por comissões designadas para cada caso, que fazem observações "in loco", não se reduzindo às informações enviadas num formulário pelas instituições.
Nesse sistema de avaliação da graduação, o ENC, ou provão, constitui um outro instrumento, muito específico, que mede objetivamente a qualidade da formação dos concluintes. Ele é importante exatamente porque essa especificidade, sendo independente das demais avaliações, permite a comparação entre os cursos de mesmo tipo e é um instrumento para avaliar as influências que as demais variáveis possuem na melhoria da qualidade do ensino. Um avanço da nova proposta reside na sua manutenção. Não existe, entretanto, uma avaliação das atividades de extensão, que precisaria ser montada.
Devemos considerar ainda, na avaliação discente, a questão de dois exames: um no começo e outro no final do curso, o que poderia permitir uma avaliação do valor agregado, isto é, de quanto conhecimento e competência foi de fato adicionado no curso. Enfrentamos aqui outros problemas. Em primeiro lugar, os alunos avaliados no final não são os mesmos avaliados no início, especialmente nos cursos que apresentam alto índice de evasão, nos quais só se formam os melhores. Em segundo lugar, para fazer a avaliação do total do valor agregado, o exame deve ser aplicado no início do primeiro ano, e não no final.
Finalmente, há a proposta de que o Exame Nacional de Desempenho do Corpo Docente não seja mais universal, mas aplicado a amostras aleatórias de estudantes. Deve-se considerar que há uma heterogeneidade muito grande entre os alunos que concluem os cursos de graduação, tanto em termos de formação anterior como quanto à cor, ao nível socioeconômico e de instrução dos pais. O ENC fornecia dados preciosos sobre essa diversidade. Uma amostra aleatória, não estratificada, é pouco confiável para reproduzir essa desigualdade. As dificuldades de um teste como o ENC residem na sua elaboração, que depende de pessoal muito qualificado, e no fato de se precisar fazer os testes chegarem, na mesma data, a todas as instituições. Uma vez isso feito, o aumento do número de alunos tem custo irrisório.
Assim, o projeto não está ainda amadurecido, tem muitos problemas e precisa ser aperfeiçoado.


Eunice Ribeiro Durham, antropóloga, é presidente do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP. Foi secretária de Política Educacional do Ministério da Educação (1995-97).


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