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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Índice de Desenvolvimento do Ensino Superior é um bom projeto?
NÃO
É preciso amadurecer
EUNICE DURHAM
O MEC acabou de lançar um ambicioso plano de avaliação do ensino
superior. Embora apresente avanços
em relação às diferentes versões parciais
divulgadas até agora, há ainda problemas sérios que precisam ser apontados.
Em primeiro lugar, existe uma confusão entre ensino superior e universidade. As universidades, que são minoria,
são definidas pela Constituição como as
instituições de ensino superior que associam ensino, pesquisa e extensão, e a
LDB determina que possuam pelo menos um terço do corpo docente com
tempo integral com titulação de mestre
ou doutor. As demais são escolas, faculdades, faculdades integradas ou centros
universitários, voltadas só para o ensino. Nestas últimas instituições, a avaliação deve se concentrar na qualidade do
ensino de graduação. O mesmo não
ocorre com as universidades.
A avaliação institucional não pode,
portanto, ser a mesma. Mas a diferenciação dos critérios deve estar associada
ao tipo de instituição e às suas funções, e
não à localidade na qual estão instaladas, como propõe o projeto. A diferenciação, entretanto, diz basicamente respeito à pesquisa e à pós-graduação, mas
não se aplica aos cursos de graduação. A
avaliação não pode variar em função do
lugar onde o curso funciona ou da instituição que o oferece, mas dos objetivos
diferentes que perseguem.
Há também uma confusão entre avaliar cursos e avaliar instituições que caracteriza a proposta de avaliação da responsabilidade social. Certamente, instituições de ensino podem prestar serviços à população e os prestam. Às vezes,
esses serviços fazem parte de cursos, como no caso do internato nos últimos
anos de medicina. A função básica desse
atendimento, entretanto, é formar adequadamente o profissional. O engajamento social não pode ser confundido
com a integração entre teoria e prática
na formação dos alunos. Uma contribuição fundamental do ensino superior
para o país reside na qualidade e relevância da pesquisa que é realizada nas
universidades e está associada à pós-graduação. Essa relevância, porém, não
pode ser julgada apenas pelo seu valor
imediato para a população, mas também por sua contribuição para o desenvolvimento científico, que é essencial ao
progresso social e tecnológico.
Embora se possa esperar das universidades que orientem suas pesquisas e
sua formação de pessoal para lidar com
problemas sociais locais ou nacionais,
não cabe às instituições de ensino superior resolvê-los. Isso é de responsabilidade do poder público.
Consideramos um outro aspecto do
projeto. Para avaliar uma universidade
é necessário avaliar de forma própria,
com diferentes instrumentos, a graduação, a pós-graduação, a pesquisa e a extensão. Isso não pode ser feito através de
um único relatório a ser preenchido a
cada três anos. Trata-se de processos diferentes, que não devem se misturar.
Esses diferentes processos de avaliação
estão em grande parte já montados e
funcionando. A nova proposta do ministério não diz o que se vai fazer com
eles. A Capes possui um modelar sistema de avaliação dos cursos de pós-graduação, incluindo a pesquisa e o ensino.
Na graduação, a avaliação do conteúdo, do currículo, dos laboratórios didáticos disponíveis, da qualificação dos
professores já ocorre por ocasião do reconhecimento dos cursos, obrigatório e
periódico. Isso é feito por comissões designadas para cada caso, que fazem observações "in loco", não se reduzindo às
informações enviadas num formulário
pelas instituições.
Nesse sistema de avaliação da graduação, o ENC, ou provão, constitui um outro instrumento, muito específico, que
mede objetivamente a qualidade da formação dos concluintes. Ele é importante exatamente porque essa especificidade, sendo independente das demais
avaliações, permite a comparação entre
os cursos de mesmo tipo e é um instrumento para avaliar as influências que as
demais variáveis possuem na melhoria
da qualidade do ensino. Um avanço da
nova proposta reside na sua manutenção. Não existe, entretanto, uma avaliação das atividades de extensão, que precisaria ser montada.
Devemos considerar ainda, na avaliação discente, a questão de dois exames:
um no começo e outro no final do curso, o que poderia permitir uma avaliação do valor agregado, isto é, de quanto
conhecimento e competência foi de fato
adicionado no curso. Enfrentamos aqui
outros problemas. Em primeiro lugar,
os alunos avaliados no final não são os
mesmos avaliados no início, especialmente nos cursos que apresentam alto
índice de evasão, nos quais só se formam os melhores. Em segundo lugar,
para fazer a avaliação do total do valor
agregado, o exame deve ser aplicado no
início do primeiro ano, e não no final.
Finalmente, há a proposta de que o
Exame Nacional de Desempenho do
Corpo Docente não seja mais universal,
mas aplicado a amostras aleatórias de
estudantes. Deve-se considerar que há
uma heterogeneidade muito grande entre os alunos que concluem os cursos de
graduação, tanto em termos de formação anterior como quanto à cor, ao nível
socioeconômico e de instrução dos pais.
O ENC fornecia dados preciosos sobre
essa diversidade. Uma amostra aleatória, não estratificada, é pouco confiável
para reproduzir essa desigualdade. As
dificuldades de um teste como o ENC
residem na sua elaboração, que depende de pessoal muito qualificado, e no fato de se precisar fazer os testes chegarem, na mesma data, a todas as instituições. Uma vez isso feito, o aumento do
número de alunos tem custo irrisório.
Assim, o projeto não está ainda amadurecido, tem muitos problemas e precisa ser aperfeiçoado.
Eunice Ribeiro Durham, antropóloga, é presidente do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da USP. Foi secretária de Política Educacional do Ministério da Educação (1995-97).
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