São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Fome não é emergência

RIO DE JANEIRO - Uma crônica que publiquei na "Pensata" da Folha Online, na semana passada, provocou uma enxurrada de e-mails contra e a favor do texto, cujo título era "Fome globalizada".
Comentei o movimento que Lula está lançando em suas viagens internacionais, recebendo apoios retóricos de vários chefes de Estado. É evidente que ninguém pode ser contra uma campanha destinada a acabar com a fome no mundo. Cada Estado se organiza, prioritariamente, para garantir a vida de seus cidadãos e, para isso, comer é uma necessidade diária de pobres e ricos.
O principal argumento daqueles que não aprovaram o meu texto baseou-se num equívoco. Trata-se do caráter emergencial da campanha. Todos concordaram que a tarefa dos Estados é incrementar o desenvolvimento, aumentando a produção, melhorando a distribuição e colocando a renda individual em condições de consumir.
Entende-se a campanha de emergência durante calamidades, enchentes, incêndios, terremotos, quando populações inteiras ficam sem alimento e, nesse caso, cabe ao Estado providenciar o socorro imediato, independentemente da colaboração de entidades assistenciais.
Isso tem sido feito. Grandes tragédias mobilizam o próprio governo e governos de outras nações na hora de ajudar a combater a fome e as doenças provocadas pela calamidade, seja em que parte do mundo for.
Mas a fome que aflige grande parte da humanidade não tem caráter de emergência, ela se renova a cada dia. Não pode nem deve ser combatida por mobilizações, que se justificam no caso das calamidades, mas nada representam diante do estado crônico em que tantos seres humanos continuam vivendo num século em que a maior parte do dinheiro do Estado é gasto com armamentos e obras discutíveis.
Uma coisa é mandar cobertores para vítimas de uma enchente. A enchente passa. Pode durar dias, uma semana, mas passa. A fome precisa ser saciada todos os dias, com ou sem enchentes ou terremotos. Não é uma emergência.


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