|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O primeiro Carnaval
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Saí do seminário no
final do ano, pouco depois veio o Carnaval, o primeiro que me encontrou
mais ou menos adulto no mundo.
Nos outros, era criança, minha festa
se limitava a vestir uma fantasia de
chinês, eu reclamava, até que encarnei
num morcego, camisola negra, máscara de papelão cheirando a cola
-meu Carnaval era assustar meninos mais moços e ser assustado com as
caveiras, que até hoje ainda me assustam.
Houve a trégua do seminário e de repente me vi no primeiro Carnaval que
seria para valer. Valer o quê? Não tinha namorada nem sabia namorar.
Sabia latim, as odes de Horácio, as bucólicas de Virgílio, mas não sabia cantar nenhuma música do ano.
Fui parar no High Life, os bailes de lá
eram os mais incrementados. Falavam em orgias, mulheres nuas, casais
copulando nos jardins, coisas assim.
Fiquei pelos cantos, metido num
marinheiro americano que fora do
meu irmão. Era moda exaltar a Marinha, que havia ganho a guerra do Pacífico, o irmão tentou me ensinar a
cantar o "Anchors aweigh", que até
hoje não aprendi.
De repente, alguém me puxou pela
mão. Não vi direito, mas a moça parecia ser loura, de olhos verdes que a
máscara verde mal tapava. Estava
queimadíssima de praia.
Ela compreendeu que eu estava sobrando na festa. Só não sabia que eu
estava sobrando na vida. Percebi que
zombava de mim, empurrou-me para
um cordão, onde eu não precisava fazer nada. Era só ficar grudado no corpo dela e imprensado por uma havaiana de coxas fartas, que suava e tinha o umbigo tapado por purpurina
prateada.
Espremido entre duas mulheres, eu
tinha motivos para me rejubilar. Meses atrás, eu vestia uma batina e cheirava a incenso. Agora estava inundado de carnes macias que cheiravam a
lança-perfume. Quis ficar alegre. Mas
nunca me senti tão triste.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Quem samba por último Próximo Texto: Ariano Suassuna: Racismo e capitalismo Índice
|