São Paulo, quarta-feira, 07 de abril de 2004

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ACORDO NUCLEAR

O Brasil não está nem legal nem moralmente obrigado a aceitar as inspeções que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) pretende realizar na usina de enriquecimento de urânio de Resende (RJ). Embora o país seja signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), não o é do Protocolo Adicional ao acordo, que prevê vistorias irrestritas e intempestivas.
O argumento brandido pelo governo brasileiro de que está protegendo segredos industriais no campo da centrifugação é defensável, mas não vai muito longe. Se os EUA ou qualquer outra grande potência tivessem como objetivo descobrir detalhes da tecnologia brasileira, não experimentariam grandes dificuldades para alcançá-lo, lançando mão para tanto de ações clássicas de espionagem, sem necessidade de recorrer aos técnicos da AIEA.
A Constituição brasileira só permite a utilização da energia nuclear para fins pacíficos e determina que as atividades nessa área sejam submetidas ao Congresso Nacional. O país poderia, portanto, subscrever o Protocolo Adicional como uma decisão soberana. É evidente, contudo, que para assiná-lo o Brasil deveria cobrar contrapartidas de outros países, notadamente daqueles que fazem parte do grupo de membros nucleares do TNP. É preciso avançar, por exemplo, nos compromissos de desarmamento dos Estados que contam com arsenais atômicos.
Com efeito, é impossível deixar de apontar as hipocrisias que marcam o TNP. Para começar, por que apenas EUA, Rússia, Reino Unido, França e China deveriam ter o direito de possuir armas atômicas?
É claro que quanto menos países mantiverem bombas nucleares, melhor para o mundo, pois reduzem-se as chances de que esse tipo de engenho venha a ser usado. Mas esse raciocínio pragmático, que faz todo o sentido, não deve de modo algum servir para legitimar o fosso jurídico que o TNP pretende eternizar ao estabelecer duas categorias de nação.
As assimetrias não desaparecem nem quando se consideram os países que mantêm a bomba extra-oficialmente (Israel, Índia e Paquistão). Por que os EUA e seus aliados pressionam tanto o Irã para encerrar o seu programa nuclear e ignoram os artefatos israelenses?
Por que Washington ameaça a Coréia do Norte, que denunciou o TNP, o que, em tese, lhe daria o direito de possuir armas, e deixa quase em paz a Índia e o Paquistão?
É de esperar que a comparação do Brasil com o Irã e a Coréia do Norte feita pelo influente jornal norte-americano "The Washington Post" não reflita a posição oficial do governo dos EUA, mas apenas a daquele diário. Sabe-se que a Casa Branca não prima pela sutileza na interpretação das relações internacionais, mas seria inquietante para o mundo se a administração Bush cometesse um erro assim tão grosseiro.
O Brasil deve, é claro, permanecer no TNP. Somos um país pacífico, sem motivos para perseguir a construção de uma bomba. É preciso, porém, vincular a assinatura do Protocolo Adicional a avanços nos objetivos de desarmamento. A existência de duas categorias de países -alguns com direitos e outros sem- só pode ser admitida como excepcional e transitória, jamais como definitiva.


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