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CARLOS HEITOR CONY
O Pão-Duro
RIO DE JANEIRO - Uma estudante de comunicação perguntou-me qual teria sido o dia em que me senti mais
importante. Respondi na bucha: "Foi
com o Pão-Duro". Ela quis saber
quem era o Pão-Duro.
Chamava-se Machado, tinha um
nome antes e outro depois, mas, para
todos os efeitos, era Machado. Que logo foi substituído por Pão-Duro, porque só andava de bonde. Tinha um
negócio qualquer na cidade, morava
bem, na casa ao lado da nossa, os
quintais eram separados por pequeno muro, quase formavam um só
quintal.
Tinha muitos filhos e filhas que, em
homenagem ao pai, recebiam nomes
começados com a letra M: Moacir,
Murilo, Milton, Maurício e uma infinidade de Marias, por sinal, boas
moças e belas, alimentavam a lascívia infantil de todos os garotos da
rua.
À tarde, com a pontualidade de um
cometa, de um eclipse total, de um
papa-defuntos, Pão-Duro vinha da
cidade sempre no mesmo bonde, sentado no primeiro banco. Dizia-se que
não pagava a passagem, dada a intimidade com os motorneiros. E trazia
sempre um pacotinho de 200 gramas
de manteiga, suficiente para o pão da
família, umas 20 pessoas, entre filhos
e agregados
Pão-duro nos gastos, era mais duro
ainda nas palavras. Nunca houve notícia de que o Pão-Duro tivesse falado
com alguém na rua, dado bom dia a
um vizinho.
E foi com ele que me senti importante. Depois de um ano de seminário, passei cinco dias em casa, fui para os lados do muro que nos separava
e até certo ponto nos unia aos domínios do Pão-Duro.
De repente, sua cara apareceu em
cima do muro, que não era alto. Estava em mangas de camisa, coisa nunca vista em todo o bairro e adjacências. E sorria para mim. Perguntou se
eu estava gostando do seminário, de
usar batina, de rezar o tempo todo.
Respondi que sim. Ele continuou
sorrindo, não sei se me lastimando
ou se me aprovando. Agradeci a
atenção e, pela primeira vez e única,
descobri que eu era importante.
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