São Paulo, terça-feira, 07 de setembro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Ame-o ou deixe-o

BRASÍLIA - Nos tempos do general Emílio Médici, presidente de 70 a 74, o Parlamento era decorativo, a Constituição era ficção, a imprensa estava longe de ser livre e o pau quebrava nas masmorras do regime. Mas o país, ingenuamente, manipuladamente, fazia festa. Médici foi "premiado" com o tricampeonato de futebol de 70 e com a média de crescimento de 11% ao ano até 74, quando a crise do petróleo segurou a onda.
Para democratas, eram os "anos de chumbo", mas o slogan massificado era ufanista: "Ninguém segura este país!". Resultado da pesada censura às notícias sobre atrocidades políticas aliada ao generoso marketing dos feitos econômicos e futebolísticos.
Criou-se, assim, uma espécie de reverso da medalha: uma vergonha coletiva de cantar o hino, enaltecer a bandeira, reverenciar -ou até mesmo simplesmente respeitar- os símbolos nacionais. Pegava mal.
No país de hoje, com as mesmas desigualdades, mas sem os horrores da ditadura, nada contra festas cívicas e cidadãos nas ruas comemorando a independência. Como, aliás, países desenvolvidos como EUA e França são mestres em fazer.
Também é justo e legítimo que Lula receba atletas vitoriosos, comemore gols e medalhas e vibre com a retomada de investimentos, da produção industrial, das vendas no comércio e do nível de emprego.
O que se questiona é o "ser ou não ser" deste Sete de Setembro: Lula espera ser instrumento da recuperação da auto-estima popular ou quer que a auto-estima popular seja instrumento de seu projeto de reeleição e de décadas de PT no poder?
Patriotismo é diferente de patriotada, nacionalismo não tem só o sentido de bairrismo, homenagear datas nacionais não significa (ou não deve significar) bater continência para as Forças Armadas. E lotar a Esplanada dos Ministérios para ver a Esquadrilha da Fumaça não pode ser visto e usado como estímulo para a perpetuação do governo de plantão.
Duro é convencer os marqueteiros do governo e o politburo do PT.


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