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São Paulo, terça-feira, 07 de outubro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A universidade do crime

RIO DE JANEIRO - Os 50 anos da Petrobras foram comemorados com anúncios publicados em jornais, um de São Paulo, outro do Rio. Reproduziram-se as capas das edições de 3 de outubro de 1953, tanto da Folha como de "O Globo", respectivamente.
Foi bom lembrar como era confusa a paginação e o texto de um tempo em que a regra nas secretarias de Redação era mandar descer as matérias de qualquer modo, os linotipistas arrumavam tudo como podiam, misturando tipos e tamanhos, prensava-se naquele papelão poroso (flan) e, numa operação que tinha alguma coisa de medieval, derramava-se chumbo fervendo e obtinha-se uma telha côncava e brilhante que ia para a rotativa imprimir o papel.
Gastei alguns anos de minha vida fazendo isso, para ter a discutível glória de, madrugada alta, ir para casa carregando o primeiro exemplar do jornal vomitado pela Hoe ou pela Marinone.
Não era sobre isso que iria escrever hoje. Li numa dessas páginas de 50 anos atrás a frase que se tornaria famosa de Nelson Hungria, então ministro do Supremo Tribunal Federal, dizendo que "os nossos reformatórios são a escola primária, a escola secundária e a escola superior do crime!", com direito ao ponto de exclamação, que foi abolido pelos copidesques posteriores, que pasteurizaram o texto, castrando-o da emoção, do pasmo, da indignação.
Bem, deixemos pra lá essas birras de um antigo profissional das velhas oficinas que cheiravam a chumbo e ardiam como caldeiras infernais.
Queria lembrar que a situação não mudou muito de Nelson Hungria para cá. Os presídios, as celas nas delegacias policiais continuam sendo a universidade do crime -do primeiro grau ao mestrado e doutorado. Até hoje, passados tantos anos, a sociedade e o governo não encontraram outro meio de recuperar o preso, limitando-se a puni-lo e a formá-lo na carreira do crime.


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